São Paulo, quinta-feira, 02 de setembro de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Acostumados à mediocridade?

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Basta a economia levantar a cabeça que, por uma espécie de reflexo pavloviano, a área econômica do governo começa a pensar em medidas de contenção. É o que parece, pelo menos. Anteontem, o IBGE divulgou dados melhores do que os esperados para o PIB. Imediatamente, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho, avisou que "o crescimento pode exigir algum ajuste".
Horas depois, diante da reação do mercado financeiro, o ministro explicou que não estava se referindo à elevação dos juros. Não convenceu. Todos sabem que o Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central) vem preparando o terreno para um aumento da taxa básica, atualmente em 16%. O Banco Central teme que a economia esteja crescendo acima das suas possibilidades. O presidente do banco, Henrique Meirelles, qualificou a retomada em curso de "fortíssima".
"Fortíssima"? No primeiro semestre de 2004, o PIB aumentou 4,2% em relação a igual período do ano passado. Como se sabe, o primeiro semestre de 2003 foi um período de recessão e, portanto, a base de comparação é reduzida. Cabe lembrar, além disso, que o Brasil não cresce de forma sustentada desde o começo da década de 80 e padece de taxas de desemprego excepcionalmente elevadas. Nessas condições, 4% não é nada demais. Pelo visto, Meirelles e cia. querem acostumar-nos à mediocridade.
A situação brasileira está melhorando. Não há dúvida. Mas o nosso ritmo de expansão ainda é nitidamente inferior ao de vários dos principais "mercados emergentes". Projeções publicadas pela revista "The Economist" indicam que China e Venezuela devem crescer mais de 9% em 2004; Argentina, Cingapura, Índia e Rússia, mais de 7%; Hong Kong, Malásia, Tailândia, Taiwan, Turquia e Polônia, na faixa de 6% a 6,5%; Coréia do Sul, Filipinas, Chile e Peru, em torno de 5%. Projeções à parte, dados referentes ao primeiro ou ao segundo trimestre de 2004 indicam que a maioria dos países "emergentes" vem crescendo mais rapidamente do que o Brasil.
Uma das principais razões desse crescimento relativamente modesto reside em uma das anomalias da economia brasileira: a taxa de juro. Nos "mercados emergentes", a taxa real de curto prazo é da ordem de 2% a 3%, em média. A brasileira tem sido cerca de quatro vezes maior. Considerando uma inflação de 7%, a nossa taxa básica de juro teria que ser de 9% a 10% em termos nominais para equiparar-se, em termos reais, ao nível médio dos "emergentes".
Não obstante, o BC prepara-se para aumentar os juros básicos. Com isso, procuraria alcançar as metas oficiais de inflação e reforçar a sua credibilidade. Grande parte do problema resulta da decisão, amplamente criticada na ocasião em que foi tomada, de fixar metas muito ambiciosas para a inflação.
Essa ambição excessiva acaba custando caro. Por um lado, induz o BC a praticar taxas de juro extravagantes, que atrapalham a recuperação da economia, oneram a dívida pública interna e promovem a concentração da renda nacional. Por outro, incentiva o BC a permitir a apreciação cambial, uma forma de apressar a convergência da inflação às metas estabelecidas. Em agosto, o real já se valorizou de forma significativa em relação ao dólar.
Corremos o risco de cair, outra vez, na malfadada combinação de juro alto e câmbio valorizado. Essa combinação favorece o controle da inflação, mas deprime a economia e pode deixá-la vulnerável do ponto de vista externo.
Precisamos mesmo reprisar esse filme de quinta categoria?


Paulo Nogueira Batista Jr., 49, economista e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net


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