São Paulo, quarta-feira, 02 de outubro de 2002

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Dívida dá lucro de R$ 1,4 bi a bancos

NEY HAYASHI DA CRUZ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O vencimento de parcelas da dívida do governo corrigidas pelo câmbio rendeu aos bancos cerca de R$ 1,4 bilhão a mais, graças à disparada do dólar ocorrida nos últimos dias. A especulação em torno do resgate desses papéis levou a cotação da moeda dos EUA para perto de R$ 4.
Ontem, venceu cerca de US$ 1,25 bilhão da dívida cambial do governo, composta por papéis que pagam aos investidores a variação cambial ocorrida em determinado período. A rentabilidade desses papéis é determinada pela taxa de câmbio média registrada na véspera do vencimento.
Por causa disso, a proximidade de um vencimento de títulos cambiais costuma pressionar a cotação do dólar. Muitos investidores decidem comprar uma grande quantidade da moeda às vésperas do vencimento para puxar as cotações para cima e, consequentemente, aumentar seus lucros.
Entre os dias 2 e 25 de setembro, a taxa de câmbio média calculada pelo Banco Central ficou em R$ 3,2601. Com o nervosismo dos últimos dias, ela chegou, anteontem, a R$ 3,8949.
A taxa média da véspera do vencimento dos títulos é usada para determinar o rendimento dos papéis cambiais do governo. Essa diferença rendeu ao mercado cerca de R$ 800 milhões.
Como os títulos foram comprados quando o dólar tinha uma cotação menor, os bancos teriam lucro de qualquer maneira. O movimento dos últimos dias, porém, elevou esse lucro.
Ontem, o diretor de Política Monetária do BC, Luiz Fernando Figueiredo, disse que é normal que se observe maiores oscilações na taxa de câmbio na véspera de vencimentos, que ele chamou de "dia fatídico". Mas negou que a alta do dólar seja consequência da decisão do BC de não rolar todos os títulos que estão vencendo.
Segundo ele, os vencimentos não foram renovados porque não havia demanda por parte do mercado. "Não ter demanda é um sinal positivo", afirmou.
Para ele, o fato de os investidores estarem menos dispostos a aplicar em papéis cambiais é um sinal de que a expectativa deles é que a cotação do dólar não continue subindo por muito tempo.
Movimento semelhante já havia ocorrido na semana passada, quando, diante do vencimento de US$ 1,5 bilhão da dívida do governo, a cotação do dólar chegou a R$ 3,6216 no último dia 24.
Com a alta, o ganho dos investidores foi de aproximadamente R$ 600 milhões. Nesse caso, a comparação do lucro adicional foi em relação à cotação média da moeda americana entre os dias 2 e 20 de setembro (R$ 3,1860).

Efeito da especulação
É muito difícil provar que a disparada do dólar ocorrida nos últimos dias seja efeito, exclusivamente, da especulação em torno do vencimento dos papéis cambiais do governo. A queda registrada pela cotação da moeda ontem, porém, pode ser um sinal de que isso efetivamente ocorreu.
Isso porque, se realmente os investidores compraram os dólares com o objetivo de inflar seu preço, muitos deles iriam vender, logo depois de passado o vencimento dos títulos, tudo o que foi adquirido nos dias anteriores.
Dos US$ 2,75 bilhões em papéis do governo atrelados ao câmbio, o BC conseguiu rolar cerca de US$ 250 milhões. Analistas de mercado apontam as dificuldades na renovação dessa dívida como fator de nervosismo dos investidores.
Para tentar conter a alta do dólar, o BC passou a intervir de forma mais forte no mercado de câmbio. Até o final do ano, cerca de US$ 10 bilhões podem ser gastos nessas intervenções sem que seja descumprido o piso imposto pelo acordo com o FMI (Fundo Monetário Internacional) para as reservas internacionais do país.
O BC diz que decidiu não rolar esses vencimentos porque não havia, no mercado, grande procura por proteção ("hedge") contra oscilações da taxa cambial. Quando tentou vender mais papéis para renovar essa dívida, o mercado chegou a cobrar juros de 50% ao ano, mais a variação cambial.
O entendimento do BC é que, se a procura por "hedge" realmente existisse, as taxas de juros exigidas pelos investidores não seriam tão altas. O raciocínio é que, a uma taxa cambial nos níveis atuais, seriam poucos os que acreditam em uma alta adicional muito grande do dólar -portanto, seriam poucos também os que estariam em busca de "hedge" cambial.


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