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OPINIÃO ECONÔMICA
Eleições 2002: crescimento, fórmula para 2020
PAULO RABELLO DE CASTRO
Todos desejam o progresso.
A alimentação adequada
para todos. A moradia decente e o
transporte fácil. A segurança nas
ruas e a paz dentro de casa. A
educação, um pecúlio e a esperança de ascensão pessoal e profissional. Os políticos repetem a
ladainha do progresso como feirantes apregoando a qualidade
de suas mercadorias. É sempre
bom ouvir. Está cada vez mais
distante acreditar.
O progresso é resultado do crescimento da produção com expansão da cidadania. Por isso é que
ganhos rápidos da produção,
num ambiente de estrangulamento político, não podem ser
propriamente chamados de progresso. Tampouco a cidadania
tem chance num ambiente de
descontrole econômico e sufocamento das liberdades econômicas. Progresso é o resultado de ordem econômica com liberdade
política. O progresso pode ser medido pela redução dos desníveis
de uma sociedade. Não existe
progresso na persistente e extrema desigualdade. Tampouco
existe valor social na equiparação
dos desiguais. O mundo é bom
por causa de sua variedade.
O próximo governo herdará
tendências boas e más. A elas terá
que adicionar, com suas crenças e
experiências, a fórmula que falta
do crescimento. Nos oito anos do
Real, o Brasil transformou-se
muito, mas cresceu pouco. A proposta do Plano Real era instituir a
confiança na moeda como padrão de convivência econômica,
um desafio enorme diante de tantos anos de absoluto descontrole.
Fernando Henrique Cardoso e
sua equipe conseguiram o que
muitos outros tentaram em vão.
Temos moeda, mesmo ameaçada
agora pela desconfiança dos mercados.
A tendência boa da sociedade
brasileira é haver percebido valor
da estabilidade monetária. O próximo governo terá, como baliza,
não se afastar dessa demanda
permanente da sociedade.
Mas será suficiente para o novo
governante apenas não inflacionar? O próximo mandatário perderá muitos pontos com a volta
da inflação, mas só manterá sua
liderança se puder retomar a
marcha do crescimento, nas novas bases deixadas pelo Plano
Real.
Com o fim da era FHC, extingue-se o Real como plano. O futuro do Brasil como país exige mais
do que uma "intervenção transformadora", como foi o Plano
Real -já que acompanhado de
várias reformas, sendo a patrimonial e a administrativa as mais
importantes, embora incompletas. O próximo presidente só acertará o passo se souber governar
com uma "mirada longa" sobre o
futuro do país. Deveria anunciar,
quem sabe, o Plano 2020, numa
alusão ao que precisamos plantar
e cuidar para termos tranquilidade política e social quando a pirâmide demográfica brasileira se
tornar mais adulta e mais idosa.
Só nos restam 18 anos até lá. Muito pode ser feito. Mas nada pode
acontecer se não houver a determinação de superar os "paradoxos do curto prazo".
Um Plano 2020 de crescimento
acelerado, mas sustentável, nos
remete à questão básica: quem
faz crescer? O Estado, os empreendedores privados? E como se faz
crescer? No século passado, como
já se pode dizer hoje, crescer era
mais vontade de uns poucos, visionários lançadores de sementes,
como foi aquela deixada por JK
no Planalto Central. Mesmo assim, à custa de bastante descontrole econômico. Será possível repetir a fórmula? Óbvio que não.
Apenas a coragem, a determinação e a "mirada longa" podem ser
imitados. O resto da fórmula, a
parte operacional, é bastante diferente.
O futuro crescimento não terá a
mesma dose de voluntarismo estatal. Voluntarismo se substitui
por confiança, e essa vem pela velocidade no enfrentamento das
questões. A velocidade, por sua
vez, depende do diagnóstico correto, razão pela qual, neste artigo,
encerramos uma série de quatro,
onde começamos pelo inimigo
oculto -o nível da despesa pública não-financeira. Tomemos apenas o governo central. O nível
cresceu o dobro do PIB brasileiro
nos últimos quatro anos; quase o
triplo na era FHC completa. Não
menciono a despesa financeira,
que faria a comparação explodir.
A despesa pública descontrolada
é inimigo oculto porque toda a
mídia só fala em aperto fiscal e
arrocho de gastos, superávit primário crescente, esquecendo-se
de enxergar os números. Como
poderá o próximo governante deter a dívida pública e realizar reforma tributária a favor do contribuinte sem mexer nos gastos?
A velocidade, nesse caso, é determinante dos demais sucessos
do governo. Reconstruída a confiança "dos mercados" por ações
rápidas e concatenadas nos planos administrativo e fiscal, a defesa financeira externa do Brasil
impõe-se pela estipulação de uma
meta de reservas internacionais
líquidas, da ordem de US$ 70 bilhões, capaz de mitigar as chances
de futuros sufocos cambiais, como
esse pelo qual estamos passando.
A redução do chamado "custo
Brasil" -tão pouco falada pelos
candidatos- é muito melhor caminho para atender aos exportadores (e importadores!) do que as
danosas desvalorizações da moeda nacional.
Essas seriam algumas das providências para superar os "paradoxos do curto prazo". E depois?
O depois é ontem, porque nosso
sistema previdenciário capenga
precisa ser completamente reformado na direção da capitalização dos esforços contributivos de
cada cidadão. Isso requer um
mercado de capitais muito mais
ativo do que o atual, criando-se
novas fontes de fundos para os investimentos produtivos, cuja força já não virá predominantemente lá de fora, como aconteceu na
era Cardoso. Os fundos Petrobras
e Vale, sucessos do momento, são
apenas o começo dessa revolução,
que propalamos há exatos dez
anos.
Andamos muito pouco nos
campos previdenciário e de formação de poupanças. Entretanto
está aí a chave da próxima revolução econômica, a nova "Brasília" virtual dos brasileiros, uma
previdência que faça a ponte do
presente com o futuro, aquele
2020.
Paralelamente ao aumento da
poupança individual e coletiva,
que acrescentará capital ao ciclo
produtivo, cabe pensar na produtividade, que surgirá do esforço
nas áreas do treinamento, da
educação e das relações de trabalho.
Finalmente, há algo que os economistas não explicam -um certo elemento não-fatorial-, que é
como aquele gol inesperado, na
hora em que o time mais precisa.
Esse lado terá que ser sacado da
própria crise por que atravessam
os países da região e tem a ver
com as negociações em torno da
Alca e, em especial, o papel do
Brasil como definidor de um novo
padrão de crescimento e de infra-estruturas para a região sul-americana. Se o governo de 2003 conseguir enxergar esse Plano 2020,
essa dimensão de longo prazo, estaremos todos no bom caminho.
Que vença o mais lúcido dos candidatos.
Este é o último artigo quinzenal de uma série de quatro em que o articulista também abordou despesas públicas, Previdência Social e cidadania.
Paulo Rabello de Castro, 53, doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do Instituto Atlântico (RJ). Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.
E-mail - paulo@rcconsultores.com.br
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