São Paulo, quarta-feira, 02 de outubro de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Eleições 2002: crescimento, fórmula para 2020

PAULO RABELLO DE CASTRO

Todos desejam o progresso. A alimentação adequada para todos. A moradia decente e o transporte fácil. A segurança nas ruas e a paz dentro de casa. A educação, um pecúlio e a esperança de ascensão pessoal e profissional. Os políticos repetem a ladainha do progresso como feirantes apregoando a qualidade de suas mercadorias. É sempre bom ouvir. Está cada vez mais distante acreditar.
O progresso é resultado do crescimento da produção com expansão da cidadania. Por isso é que ganhos rápidos da produção, num ambiente de estrangulamento político, não podem ser propriamente chamados de progresso. Tampouco a cidadania tem chance num ambiente de descontrole econômico e sufocamento das liberdades econômicas. Progresso é o resultado de ordem econômica com liberdade política. O progresso pode ser medido pela redução dos desníveis de uma sociedade. Não existe progresso na persistente e extrema desigualdade. Tampouco existe valor social na equiparação dos desiguais. O mundo é bom por causa de sua variedade.
O próximo governo herdará tendências boas e más. A elas terá que adicionar, com suas crenças e experiências, a fórmula que falta do crescimento. Nos oito anos do Real, o Brasil transformou-se muito, mas cresceu pouco. A proposta do Plano Real era instituir a confiança na moeda como padrão de convivência econômica, um desafio enorme diante de tantos anos de absoluto descontrole. Fernando Henrique Cardoso e sua equipe conseguiram o que muitos outros tentaram em vão. Temos moeda, mesmo ameaçada agora pela desconfiança dos mercados.
A tendência boa da sociedade brasileira é haver percebido valor da estabilidade monetária. O próximo governo terá, como baliza, não se afastar dessa demanda permanente da sociedade.
Mas será suficiente para o novo governante apenas não inflacionar? O próximo mandatário perderá muitos pontos com a volta da inflação, mas só manterá sua liderança se puder retomar a marcha do crescimento, nas novas bases deixadas pelo Plano Real.
Com o fim da era FHC, extingue-se o Real como plano. O futuro do Brasil como país exige mais do que uma "intervenção transformadora", como foi o Plano Real -já que acompanhado de várias reformas, sendo a patrimonial e a administrativa as mais importantes, embora incompletas. O próximo presidente só acertará o passo se souber governar com uma "mirada longa" sobre o futuro do país. Deveria anunciar, quem sabe, o Plano 2020, numa alusão ao que precisamos plantar e cuidar para termos tranquilidade política e social quando a pirâmide demográfica brasileira se tornar mais adulta e mais idosa. Só nos restam 18 anos até lá. Muito pode ser feito. Mas nada pode acontecer se não houver a determinação de superar os "paradoxos do curto prazo".
Um Plano 2020 de crescimento acelerado, mas sustentável, nos remete à questão básica: quem faz crescer? O Estado, os empreendedores privados? E como se faz crescer? No século passado, como já se pode dizer hoje, crescer era mais vontade de uns poucos, visionários lançadores de sementes, como foi aquela deixada por JK no Planalto Central. Mesmo assim, à custa de bastante descontrole econômico. Será possível repetir a fórmula? Óbvio que não. Apenas a coragem, a determinação e a "mirada longa" podem ser imitados. O resto da fórmula, a parte operacional, é bastante diferente.
O futuro crescimento não terá a mesma dose de voluntarismo estatal. Voluntarismo se substitui por confiança, e essa vem pela velocidade no enfrentamento das questões. A velocidade, por sua vez, depende do diagnóstico correto, razão pela qual, neste artigo, encerramos uma série de quatro, onde começamos pelo inimigo oculto -o nível da despesa pública não-financeira. Tomemos apenas o governo central. O nível cresceu o dobro do PIB brasileiro nos últimos quatro anos; quase o triplo na era FHC completa. Não menciono a despesa financeira, que faria a comparação explodir. A despesa pública descontrolada é inimigo oculto porque toda a mídia só fala em aperto fiscal e arrocho de gastos, superávit primário crescente, esquecendo-se de enxergar os números. Como poderá o próximo governante deter a dívida pública e realizar reforma tributária a favor do contribuinte sem mexer nos gastos?
A velocidade, nesse caso, é determinante dos demais sucessos do governo. Reconstruída a confiança "dos mercados" por ações rápidas e concatenadas nos planos administrativo e fiscal, a defesa financeira externa do Brasil impõe-se pela estipulação de uma meta de reservas internacionais líquidas, da ordem de US$ 70 bilhões, capaz de mitigar as chances de futuros sufocos cambiais, como esse pelo qual estamos passando. A redução do chamado "custo Brasil" -tão pouco falada pelos candidatos- é muito melhor caminho para atender aos exportadores (e importadores!) do que as danosas desvalorizações da moeda nacional.
Essas seriam algumas das providências para superar os "paradoxos do curto prazo". E depois? O depois é ontem, porque nosso sistema previdenciário capenga precisa ser completamente reformado na direção da capitalização dos esforços contributivos de cada cidadão. Isso requer um mercado de capitais muito mais ativo do que o atual, criando-se novas fontes de fundos para os investimentos produtivos, cuja força já não virá predominantemente lá de fora, como aconteceu na era Cardoso. Os fundos Petrobras e Vale, sucessos do momento, são apenas o começo dessa revolução, que propalamos há exatos dez anos.
Andamos muito pouco nos campos previdenciário e de formação de poupanças. Entretanto está aí a chave da próxima revolução econômica, a nova "Brasília" virtual dos brasileiros, uma previdência que faça a ponte do presente com o futuro, aquele 2020.
Paralelamente ao aumento da poupança individual e coletiva, que acrescentará capital ao ciclo produtivo, cabe pensar na produtividade, que surgirá do esforço nas áreas do treinamento, da educação e das relações de trabalho.
Finalmente, há algo que os economistas não explicam -um certo elemento não-fatorial-, que é como aquele gol inesperado, na hora em que o time mais precisa. Esse lado terá que ser sacado da própria crise por que atravessam os países da região e tem a ver com as negociações em torno da Alca e, em especial, o papel do Brasil como definidor de um novo padrão de crescimento e de infra-estruturas para a região sul-americana. Se o governo de 2003 conseguir enxergar esse Plano 2020, essa dimensão de longo prazo, estaremos todos no bom caminho. Que vença o mais lúcido dos candidatos.


Este é o último artigo quinzenal de uma série de quatro em que o articulista também abordou despesas públicas, Previdência Social e cidadania.

Paulo Rabello de Castro, 53, doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do Instituto Atlântico (RJ). Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.
E-mail - paulo@rcconsultores.com.br


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