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São Paulo, domingo, 02 de novembro de 2003

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ARTIGO

Bush e a Conspiração Pollyanna

WILLIAM SAFIRE
DO "NEW YORK TIMES"

Uma multidão sorridente de otimistas econômicos que operam clandestinamente sob o nome de Conspiração Pollyanna está ameaçando tomar o controle da opinião pública norte-americana.
O primeiro sinal do nefasto complô surgiu há duas semanas, quando o Serviço Orçamentário do Congresso, uma organização sem vínculos partidários, foi forçado a reduzir suas projeções sempre crescentes de déficits.
Cortou a estimativa de déficit de US$ 401 bilhões no ano fiscal passado, encerrado em 30 de setembro, para US$ 374 bilhões. O Serviço Orçamentário da Casa Branca concordou, reduzindo sua estimativa de déficit em 2003 de US$ 455 bilhões para US$ 380 bilhões.
Horrorizada, a Esquerda Schopenhauer encontrou desculpas para que o déficit não tivesse continuado em alta: as empresas talvez tenham pago seus impostos mais cedo, os gastos federais estão sendo empurrados para o ano que vem, e não se esqueçam das despesas com o Iraque em 2004. Mas o fato ignorado pelos pessimistas de plantão é que a tendência do déficit é de desaceleração.
Anos atrás, a Esquerda Schopenhauer apareceu com o notório "índice da miséria", a taxa de inflação somada à taxa de desemprego. Ele ficaria em 8,4% no momento, o que não é bom, mas também não é tão ruim. Não se trata exatamente de uma forma de medir a economia, mas de um indicador do impacto político que o estado da economia exerce.
Para dar aos animados adeptos da Conspiração Pollyanna um índice que pudessem mencionar, inventei o "índice êxtase". É a soma do nível trimestral de crescimento econômico e do ganho trimestral na produtividade. O índice êxtase está voando acima dos 12%. Um pico de prosperidade como esse é impossível de manter por muito tempo, como até mesmo Eleanor Hodgman Porter, autora do livro infantil de 1913 sobre a menina feliz que jogava o "jogo do contente", teria de admitir.
Mas e o mantra da turma Schopenhauer, de que "Bush causou a perda de 3 milhões de empregos, o maior recuo desde que Hoover era presidente"? Seriam os bons tempos que estão por chegar uma "recuperação sem emprego", com as empresas enxugando ainda mais suas estruturas, reduzindo trabalhadores e terceirizando sua demanda de mão-de-obra futura para a China e a Índia?
Nós, conspiradores (admito ser membro da turma dos otimistas), bem como os caçadores de Saddam, esperaremos até o ano que vem. Quando 2004 chegar, com o crescimento econômico se firmando em saudáveis 4%, a atual taxa de desemprego de 6,1% deve começar a cair, sustentada pelas baixas taxas de juros, enquanto os ganhos de produtividade compensam a inflação. E é a tendência de queda ou alta, mais que o nível efetivo do desemprego, que conquista manchetes e afeta eleições.
É por isso que a maior das Pollyannas em nossa conspiração pôde dizer, em entrevista coletiva a um grupo de jornalistas na semana passada, que "os EUA estão começando a criar empregos, as vendas no varejo estão subindo, a construção de casas começa a disparar, as Bolsas estão avançando, os lucros estão em alta e a produção industrial está crescendo".
Bush propõe gastar mais em defesa e na assistência médica federal, resistindo às tentativas democratas de elevar impostos. Enquanto a recuperação sem inflação se mantiver, o Fed poderá continuar seu estímulo monetário. A arrecadação tributária adicional gerada pela alta nos lucros deve reduzir o déficit e criar um orçamento balanceado.


William Safire é analista político e colunista do "New York Times".


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