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São Paulo, domingo, 02 de novembro de 2003

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SAÚDE

Gasto com medicamento seria dividido entre trabalhador, plano de saúde e patrão; para governo, competência é do SUS

Projeto de lei propõe rateio para remédios

DA REPORTAGEM LOCAL

Na próxima quarta-feira, entra em votação na Comissão de Economia, Indústria e Comércio da Câmara o projeto de lei que propõe a criação de um Programa de Medicamentos do Trabalhador.
O projeto propõe que a compra de medicamentos seja rateada entre os trabalhadores, os planos de saúde e o empregador. As empresas poderão deduzir as despesas do Imposto de Renda, dentro do limite de 5% do imposto devido.
Atualmente, 74% das receitas médicas não são seguidas integralmente pelos participantes de planos de saúde. "A cada 100 usuários desses planos que consultam um médico, apenas 26 compram todos os medicamentos prescritos", diz o presidente da ANS (Agência Nacional de Saúde), Januário Montone.
No atendimento público o quadro é pior: 80% dos que vão ao médico não compram os remédios receitados, segundo dados do Ministério da Saúde.
Na quarta-feira passada, o projeto foi discutido em audiência pública na Câmara e recebeu o apoio da Febrafarma (Federação Brasileira da Indústria Farmacêutica) e da Força Sindical. Mas foi recebido com reservas pelos Ministérios do Trabalho e da Saúde.
O governo, que já tem praticamente pronto o modelo de "farmácias populares", promessa de campanha de Lula, defendeu na audiência sobre o projeto, de autoria do deputado Pompeo de Mattos (PDT-RS), a tese de que compete ao SUS custear a distribuição de medicamentos à população excluída desse mercado.
Segundo Ciro Mortella, presidente da Febrafarma, seriam necessários de R$ 5 bilhões a R$ 6 bilhões por ano para custear os gastos com medicamentos para essa população. "Sem contar os R$ 3 bilhões que o governo já investe nos vários programas de medicamentos do Ministério da Saúde."
O financiamento ao consumidor é o caminho trilhado em outros países para atender à população incapaz de pagar os custos. "Das 20 maiores economias do planeta, apenas o Brasil não tem um sistema de financiamento para a compra de remédios", diz Fábio Hansen, diretor da Funcional Card, administradora de planos de assistência farmacêutica.
Segundo ele, na Europa, a maioria dos governos cobre até 70% do valor do remédio adquirido nas farmácias pela população, com base em uma lista de medicamentos. Nos EUA,seguros privados de saúde cobrem as despesas.

Interesses
A indústria farmacêutica é a principal interessada em aumentar o contingente de consumidores de remédios no país. O setor trabalha com 43% de ociosidade e acumula uma queda de 13% no volume de vendas, desde 1997, segundo a Febrafarma.
No fim de 2001, a federação apresentou ao governo Fernando Henrique Cardoso proposta para criar um programa de financiamento, pelo governo, do consumo de remédios. A idéia chegou a ser encampada pelo Ministério da Saúde, mas não decolou. "Esbarramos na falta de recursos do Estado", afirma Mortella.
No início deste ano, os fabricantes de genéricos entraram na disputa por esse mercado e chegaram a manter contatos com o ministério. "O país tem hoje um instrumento para construir um sistema de acesso aos remédios com dinheiro público: são os medicamentos genéricos, em média 40% mais baratos que os de marca", defende Vera Valente, diretora executiva da Pró Genéricos.
Atualmente, os genéricos respondem por 8% das vendas de remédios no país. Mas há estimativas de que poderiam chegar a uma fatia de 37% em cinco anos se criado um sistema de financiamento para esses produtos. O atual governo, entretanto, não vê com bons olhos os modelos propostos pela iniciativa privada, segundo a Folha apurou. Além da questão econômica, há em jogo interesses políticos e ideológicos.
O governo Lula vem desenhando sua política para o setor e deverá anunciá-la "em breve", segundo Luiz Roberto Klassmann, coordenador geral de planejamento e gestão de programas do Ministério da Saúde.
O ministério pretende encarar o problema do acesso aos medicamentos aumentando as verbas destinadas às compras governamentais e ao aparelhamento dos laboratórios oficiais, regulando os preços de mercado, reduzindo a tributação sobre os produtos (proposta da reforma tributária) e criando uma rede de farmácias populares.
O desenho do projeto das farmácias populares, segundo a Folha apurou, está praticamente pronto. Já estaria acertada com o Ministério da Fazenda uma desoneração do ICMS sobre uma lista de 183 produtos. O preço final desses medicamentos cairia até 18%, segundo o governo, mas representantes do setor privado estimam em 12% essa queda.
Para alguns representantes do setor privado ouvidos pela Folha, porém, as farmácias populares não passam de um projeto de impacto político. "São mais marketing que solução", diz Hansen.
(SANDRA BALBI)


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