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SINDICALISMO DE RESULTADOS
Entidades recebem R$ 500 mi por ano, R$ 400 mi vão para órgãos sem representatividade
"Nova CLT" esbarra em sindicatos fantasmas
CLAUDIA ROLLI
FATIMA FERNANDES
RICARDO GRINBAUM
DA REPORTAGEM LOCAL
A reforma trabalhista proposta
pelo governo chega num momento em que a máquina sindical emperrou. Da direita à esquerda,
analistas e sindicalistas dizem que
o sistema está viciado, cheio de
organizações "fantasmas", sem
controle nem fiscalização.
Os sindicatos recebem cerca de
R$ 500 milhões por ano, quantia
descontada, por lei, dos salários
dos trabalhadores. Na avaliação
de João Vaccari, presidente do
Sindicato dos Bancários de São
Paulo, só 20% da contribuição
sindical (R$ 100 milhões) vai para
sindicatos sérios, seja qual for a
tendência política.
"O resto (R$ 400 milhões) vai
para sindicatos fantasmas ou sem
a menor representatividade", diz
Vaccari, que também é tesoureiro
da CUT. "É uma festa."
Hélio Zylberstajn, professor da
USP especializado em relações do
trabalho, tem um diagnóstico parecido. "Dos 18 mil sindicatos do
país, mil são fortes, bem organizados e honestos. Outros 17 mil são
de fachada", diz Zylberstajn.
Renda garantida
A origem do problema está na
estrutura do sindicalismo brasileiro. Pela lei, os sindicatos têm
fonte de renda garantida, independente da qualidade dos serviços prestados pela instituição.
O dinheiro vem da contribuição
sindical, equivalente a um dia de
salário descontado do contracheque de todos os brasileiros que
atuam no mercado formal de trabalho -sejam eles filiados ou não
aos sindicatos.
Os sindicatos têm renda garantida, mas não são fiscalizados. Pela lei, os sindicatos são independentes, não podem sofrer pressão
nem intervenção do poder público e, por isso, não são fiscalizados.
Cabe aos próprios associados fiscalizar as contas da diretoria.
Sindicalistas espancados
O problema é que muitos sindicatos se distanciaram das bases.
Categorias mobilizadas que produzem sindicatos de primeira linha, como metalúrgicos do ABC
(CUT) ou padeiros de São Paulo
(Força Sindical), são exceções.
A maioria dos trabalhadores
nem sabe o que acontece dentro
dos sindicatos. Decisões são tomadas em assembléias com participação mínima de associados,
sem a menor representatividade.
Em meados da década passada,
por exemplo, os motoristas de
ônibus de Manaus foram surpreendidos ao receber seus contracheques. Descobriram que o
sindicato havia assinado acordo
com os patrões para reduzir em
30% os salários. Os motoristas invadiram o sindicato, espancaram
dirigentes e reverteram a decisão.
Muitas categorias são grandes,
dispersas, desorganizadas. São
porteiros de prédio, funcionários
de garagens, vigilantes noturnos
que mal se encontram no dia-a-dia. É o tipo de situação ideal para
que alguém tome a iniciativa e peça no Ministério no Trabalho a
carta sindical -permissão para
abrir um sindicato.
"Para criar um sindicato tem
que virar funcionário de uma empresa e entrar na categoria", ensina Aluizio Leonardo, 50, que já
criou ou ajudou a criar cinco sindicatos. Ele é diretor de um sindicato e já foi presidente de outro .
Arrumar categorias para criar
sindicatos virou exercício de criatividade. Em Sorocaba, um ex-dirigente sindical tentou montar
um sindicato para reunir os empregados em transporte de empilhadeira. "Estivemos lá e vimos
que ninguém apareceu na assembléia", diz Claudio Domingos da
Silva, presidente do Sindicato dos
Metalúrgicos de Salto (SP).
Capangas
Desse modo, nascem sindicatos
com bases enormes de trabalhadores, mas de peso político nulo
ou quase nulo. Em alguns casos,
são sindicatos suscetíveis a acordos fajutos com os patrões. Com a
instituição e as verbas sindicais na
mão, a luta passa a ser para permanecer no poder.
Na hora da eleição, correntes
que disputam o controle de sindicatos contratam até capangas, conhecidos como "bate-paus" para
influenciar os resultados. Muitas
disputas terminam em pancadaria e, em casos extremos, ocorrem
assassinatos. Nos últimos dois
meses, foram mortos três sindicalistas no Rio e em São Paulo.
São tantos os interesses em jogo
que a violência se tornou tradição
em algumas categorias e sindicatos, sejam "fantasmas" ou não.
No Sindicato dos Condutores de
São Paulo, por exemplo, já foi preciso realizar a contagem dos votos
de uma eleição dentro de um
quartel da Polícia Militar, para
evitar a pancadaria.
Por um par de botas
Nos sindicatos do interior, o
problema é diferente. A maior
violência vem do confronto com
os patrões. "Se pressionar a negociação, o trabalhador vai demitido e o sindicalista assassinado",
diz Guilherme Pedro Neto, diretor da Contag (Confederação dos
Trabalhadores na Agricultura),
que representa cinco milhões de
trabalhadores.
Pedro Neto diz que dos 3,7 mil
sindicatos rurais do país menos
de 10% têm condições de elaborar
uma pauta de reivindicações.
"Três milhões de trabalhadores
aceitam qualquer coisa em troca
de um prato de arroz e um par de
botas", diz o sindicalista.
"A estrutura sindical precisa ser
revista", diz João Piza, ex-presidente da OAB de São Paulo.
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