São Paulo, domingo, 02 de dezembro de 2001

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SINDICALISMO DE RESULTADOS

Entidades recebem R$ 500 mi por ano, R$ 400 mi vão para órgãos sem representatividade

"Nova CLT" esbarra em sindicatos fantasmas

CLAUDIA ROLLI
FATIMA FERNANDES
RICARDO GRINBAUM
DA REPORTAGEM LOCAL

A reforma trabalhista proposta pelo governo chega num momento em que a máquina sindical emperrou. Da direita à esquerda, analistas e sindicalistas dizem que o sistema está viciado, cheio de organizações "fantasmas", sem controle nem fiscalização.
Os sindicatos recebem cerca de R$ 500 milhões por ano, quantia descontada, por lei, dos salários dos trabalhadores. Na avaliação de João Vaccari, presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo, só 20% da contribuição sindical (R$ 100 milhões) vai para sindicatos sérios, seja qual for a tendência política.
"O resto (R$ 400 milhões) vai para sindicatos fantasmas ou sem a menor representatividade", diz Vaccari, que também é tesoureiro da CUT. "É uma festa."
Hélio Zylberstajn, professor da USP especializado em relações do trabalho, tem um diagnóstico parecido. "Dos 18 mil sindicatos do país, mil são fortes, bem organizados e honestos. Outros 17 mil são de fachada", diz Zylberstajn.

Renda garantida
A origem do problema está na estrutura do sindicalismo brasileiro. Pela lei, os sindicatos têm fonte de renda garantida, independente da qualidade dos serviços prestados pela instituição.
O dinheiro vem da contribuição sindical, equivalente a um dia de salário descontado do contracheque de todos os brasileiros que atuam no mercado formal de trabalho -sejam eles filiados ou não aos sindicatos.
Os sindicatos têm renda garantida, mas não são fiscalizados. Pela lei, os sindicatos são independentes, não podem sofrer pressão nem intervenção do poder público e, por isso, não são fiscalizados. Cabe aos próprios associados fiscalizar as contas da diretoria.

Sindicalistas espancados
O problema é que muitos sindicatos se distanciaram das bases. Categorias mobilizadas que produzem sindicatos de primeira linha, como metalúrgicos do ABC (CUT) ou padeiros de São Paulo (Força Sindical), são exceções.
A maioria dos trabalhadores nem sabe o que acontece dentro dos sindicatos. Decisões são tomadas em assembléias com participação mínima de associados, sem a menor representatividade.
Em meados da década passada, por exemplo, os motoristas de ônibus de Manaus foram surpreendidos ao receber seus contracheques. Descobriram que o sindicato havia assinado acordo com os patrões para reduzir em 30% os salários. Os motoristas invadiram o sindicato, espancaram dirigentes e reverteram a decisão.
Muitas categorias são grandes, dispersas, desorganizadas. São porteiros de prédio, funcionários de garagens, vigilantes noturnos que mal se encontram no dia-a-dia. É o tipo de situação ideal para que alguém tome a iniciativa e peça no Ministério no Trabalho a carta sindical -permissão para abrir um sindicato.
"Para criar um sindicato tem que virar funcionário de uma empresa e entrar na categoria", ensina Aluizio Leonardo, 50, que já criou ou ajudou a criar cinco sindicatos. Ele é diretor de um sindicato e já foi presidente de outro .
Arrumar categorias para criar sindicatos virou exercício de criatividade. Em Sorocaba, um ex-dirigente sindical tentou montar um sindicato para reunir os empregados em transporte de empilhadeira. "Estivemos lá e vimos que ninguém apareceu na assembléia", diz Claudio Domingos da Silva, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Salto (SP).

Capangas
Desse modo, nascem sindicatos com bases enormes de trabalhadores, mas de peso político nulo ou quase nulo. Em alguns casos, são sindicatos suscetíveis a acordos fajutos com os patrões. Com a instituição e as verbas sindicais na mão, a luta passa a ser para permanecer no poder.
Na hora da eleição, correntes que disputam o controle de sindicatos contratam até capangas, conhecidos como "bate-paus" para influenciar os resultados. Muitas disputas terminam em pancadaria e, em casos extremos, ocorrem assassinatos. Nos últimos dois meses, foram mortos três sindicalistas no Rio e em São Paulo.
São tantos os interesses em jogo que a violência se tornou tradição em algumas categorias e sindicatos, sejam "fantasmas" ou não. No Sindicato dos Condutores de São Paulo, por exemplo, já foi preciso realizar a contagem dos votos de uma eleição dentro de um quartel da Polícia Militar, para evitar a pancadaria.

Por um par de botas
Nos sindicatos do interior, o problema é diferente. A maior violência vem do confronto com os patrões. "Se pressionar a negociação, o trabalhador vai demitido e o sindicalista assassinado", diz Guilherme Pedro Neto, diretor da Contag (Confederação dos Trabalhadores na Agricultura), que representa cinco milhões de trabalhadores.
Pedro Neto diz que dos 3,7 mil sindicatos rurais do país menos de 10% têm condições de elaborar uma pauta de reivindicações. "Três milhões de trabalhadores aceitam qualquer coisa em troca de um prato de arroz e um par de botas", diz o sindicalista.
"A estrutura sindical precisa ser revista", diz João Piza, ex-presidente da OAB de São Paulo.



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