São Paulo, quarta, 2 de dezembro de 1998

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OPINIÃO ECONÔMICA

Um beco sem saída?

MÁRCIO POCHMANN

Impressiona a regularidade com que se difundem análises econômicas pontuais que, concentradas apenas no curto prazo, pouco auxiliam na necessária avaliação da performance nacional durante as últimas duas décadas.
Por conta disso, o debate sobre os rumos econômicos tem sido difuso, nem sempre deixando claro quais seriam os reais caminhos para o Brasil.
O núcleo duro da discussão tende a se assentar em duas vertentes distintas. De um lado, os chamados produtivistas, defensores da retomada sustentada do crescimento econômico, com participação do Estado e controle tanto do comércio externo quanto dos fluxos financeiros internacionais. Por serem críticos quanto à possibilidade brasileira de inserção subordinada na economia mundial, colocam mais ênfase na valorização das potencialidades do mercado interno, sem desconsiderar, entretanto, o comércio externo.
De outro lado, os financistas, que se apóiam na liquidez financeira internacional para sustentar a estabilidade monetária e na abertura comercial, com desregulação financeira e desregulamentação do mercado de trabalho, como tentativa de modernização da economia nacional. Apostam ainda que os possíveis resultados positivos da globalização exigiriam um outro Estado, com a passagem da função empreendedora para a de regulação dos contratos e de focalização dos gastos sociais.
Como se sabe, o Brasil é hoje uma grande locomotiva parada no tempo, sem paralelo histórico nos últimos 60 anos. Desde 1980, o país amarga: (1) baixos índices de crescimento econômico (2,5% como média dos últimos 18 anos, sendo de 2,9% na década de 1980 e de 1,9% na década de 1990); (2) anêmico comportamento da taxa de investimento (17,1% do PIB como média anual, sendo de 18,4% na década de 1980 e de 15,6% na década de 1990); e (3) desestruturação do mercado de trabalho, com queda no emprego assalariado formal (-0,2% como média anual, sendo de 1,1% na década de 1980 e de -1,7% na década de 1990).
A responsabilidade pela perda recente de dinamismo do capitalismo brasileiro pode ser encontrada na condução da política macroeconômica e nas alterações do contexto econômico mundial.
Durante a década de 1980, o cenário internacional desfavorável contribuiu para desviar a rota de crescimento via mercado interno, fazendo com que as autoridades governamentais ficassem prisioneiras dos processos de hiperinflação e de transferência de recursos para o exterior, como o pagamento dos serviços do endividamento externo.
Nos anos 90, as autoridades governamentais aproveitaram o cenário internacional mais favorável ao retorno de recursos financeiros para abrir a economia e procurar conter o processo hiperinflacionário, sem romper, entretanto, com a instabilidade macroeconômica. Por conta disso, permaneceu medíocre a situação econômica e aumentou o endividamento interno e externo, tornando mais frágil e menos integrada a estrutura produtiva nacional.
Diante do atual acordo com o FMI, o Brasil demonstra como é possível aumentar o grau de subordinação da sua política macroeconômica, pois a partir de Washington o país passa a definir a condução da economia, bem como se compromete a realizar reformas internas. Entre elas encontram-se, inclusive, a reforma previdenciária e a de desregulamentação do mercado de trabalho, conforme comunicado conjunto de entendimento do Brasil com o FMI (7/11/1998). Nos últimos 13 acordos firmados com o Fundo, jamais compromissos como esses tinham sido estabelecidos.
Aplicado o programa de ajustes do FMI, o Brasil consolida consecutivamente a segunda década perdida. Até quando (e a que condição socioeconômica) será possível manter o predomínio dos financistas na condução da economia nacional?


Márcio Pochmann, 36, economista, é professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais de Economia do Trabalho (Cesit) da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
E-mail: pochmann@eco.unicamp.br




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