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LUÍS NASSIF
Simon, o Catão
Os telespectadores do "Roda Viva" de segunda-feira passada puderam assistir o testemunho de
um brasileiro ilustre, o senador Pedro Simon, o grande Catão da República. Não se espere do senador
formulações sobre o novo país ou
propostas que ajudem a superar a
crise. Seu papel é o de ser o homem
moral. Ele tem no cérebro um botão que, devidamente acionado,
resulta invariavelmente em reações morais previsíveis, nem sempre pelo bem do país, nem sempre
pelo mal, mas invariavelmente pela moral.
Por ser homem de julgamentos
morais, como líder do Senado no
governo Itamar, Simon avalizou o
mais nefasto processo de abertura
econômica do país, seis meses onde
se misturaram câmbio apreciado,
na saída do Real, e abertura indiscriminada das importações, no
curto período Ciro Gomes.
Tudo porque lhe colocaram ante
um dilema moral, do qual não há
escapatória. Abrir a economia significaria punir todos os empresários brasileiros gananciosos, que
viviam da exploração dos consumidores, explicaram-lhe os economistas. Manter a economia no ritmo anterior significaria beneficiá-
los. E, rigoroso como Catão, o senador virou o polegar para baixo e
endossou a degola.
Seis meses depois, o senador começou a perceber o outro lado da
abertura indiscriminada. Em vez
de empresários gananciosos, o modelo destruíra triticultores de seu
Estado, levara a miséria ao campo
e o desemprego às cidades. Aí o senador Simon se safou com um "como é que eu poderia saber?", e preparou seu melhor discurso moral
contra o "neoliberalismo". Inês já
era morta. O país perdeu horrores,
mas em nome de um bom princípio moral.
Privatização
O mesmo ocorreu com a privatização. Defensor intransigente dos
direitos dos trabalhadores, passou
em branco a Simon, no governo
Itamar, a campanha encetada por
diversas pessoas em defesa da privatização com fundos sociais.
A proposta poderia ter mudado
a face do capitalismo brasileiro,
mas era complexa demais para se
enquadrar nos julgamentos morais do senador. Misturar trabalhador e mercado era algo inconcebível. Afinal, mercado não é
aquele lugar onde as pessoas se
reúnem para planejar sacanagens? A imagem de um varão de
Plutarco é importante demais para ser exposta a riscos de uma proposta que poderia ser questionada.
Nos anos seguintes, já no governo FHC, o senador manteve a postura de consciência crítica dos pequenos casos. Sua conduta na CPI
dos Precatórios foi a de sempre. Senadores mais espertos queriam a
CPI restrita ao estritamente necessário para fuzilar seus adversários,
e nada mais. Quando a CPI ganhou vulto e se percebeu que, em
lugar de um preá, tinham atingido
uma onça, o senador Roberto Requião tentou varrer a onça para
debaixo do tapete, levantou uma
carta de uma assessoria de imprensa esperta, e esbravejou: "É a
prova de que todos os críticos da
CPI fazem parte de uma grande
conspiração da imprensa para impedir que ela chegue ao fim".
Apertado o botão do cérebro, Simon avalizou sua posição em um
discurso memorável: "É isso mesmo". E permitiu à CPI terminar
em meia pizza.
Grande momento
Mas continuou firme, jamais esmorecendo em favor dos julgamentos morais. Em entrevista ao
Jô Soares, brilhou. Relembrou as
bandeiras de FHC, a sujeição a
ACM, e o fato de ter deixado de ouvir os grandes aliados, os homens
com sensibilidade social, como
Mário Covas, João Gilberto e Euclides Scalco. Obrigou FHC a vir a
público se explicar, porque resistir
a um julgamento moral de nosso
Catão, quem há de?
Na sequência, protagonizou momentos memoráveis com Antonio
Carlos Magalhães, um duelo de espadachins renascentistas, rico em
retórica, vazio de sentido, mas que
fazia as paredes do Parlamento vibrarem: que grande momento político!
Quando setores do governo começaram a questionar e tentar reverter a visão financista dos primeiros anos, estabelecer uma visão mais voltada para o mundo
real, para a organização das forças
econômicas visando o aumento da
produção e a geração de emprego,
o senador passou ao largo.
Nas fases de construção, pouco
espaço há para o exercício do julgamento moral. É um trabalho árduo, que exige levantar tijolo a tijolo, conceber o espaço, definir a
ação. O senador Simon se recolheu
às sessões do Senado, com seu estilo aparentemente sonolento, de
quem cochila em plenário mas
mantém o olho aceso, à espera do
próximo tema moral. Até entendeu o significado do Ministério da
Produção, percebeu que era a maneira de contrabalançar a visão
excessivamente financista da Fazenda. Percebeu que Covas, seu
novo líder, começava a ser ouvido,
que o presidente começava a ser
convencido.
Mas quando a obra estava quase
pronta, surgiu o "grampo", a conversa "desabrida", e, com ele, a
grande oportunidade do senador
voltar a brilhar.
Fez um discurso memorável que
despertou as mesmas manifestações que se dedicavam a Ruy, Lacerda, Almino e outros grandes tribunos. Um dos grandes momentos
do Parlamento brasileiro, um discurso notável, um dos grandes capítulos da história da República,
ah, nossa alma lusitana...
A idéia do Ministério da Produção refluiu, o presidente se encolheu, as bandeiras que o senador
diz defender foram enroladas. Mas
nada que não valesse o preço do
grande momento.
Afinal, o senador não veio para
edificar, mas para julgar.
E-mail:lnassif@uol.com.br
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