São Paulo, domingo, 03 de fevereiro de 2002

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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS

Fim da recessão é ilusão conjuntural

GILSON SCHWARTZ
ARTICULISTA DA FOLHA

Nos últimos cinco anos nunca faltaram motivos para apostar, nos EUA, tanto na recuperação como na recessão e mesmo na depressão. Talvez o tamanho da economia norte-americana explique essa convivência recorrente de indicadores contraditórios. Um sistema tão vasto e complexo obviamente não funciona virtuosamente, com todas as partes se movendo no mesmo ritmo e direção.
Na prática, a decisão entre os cenários otimista e pessimista acaba ficando por conta da ideologia e dos interesses econômicos de cada um mesmo que, a exemplo do que vem ocorrendo na última semana, entre altos e baixos a tendência mais clara seja, ainda, negativa.
Para muitos economistas, se os dados não confirmam seus prognósticos e recomendações, pior para os dados. Alguns, brincando, dizem que contra argumentos não há fatos. Os debates muitas vezes parecem dirigir-se para uma conclusão baseada só em números, estatísticas ou modelos econométricos.
No frigir dos ovos, os mais honestos admitem a insuficiência da modelagem quantitativa. Mas predominam os apostadores. É o que se viu nos últimos dias. A confiança do consumidor norte-americano subiu em janeiro pelo segundo mês consecutivo (a encomenda de bens duráveis também cresceu). Foi o suficiente para que um bom número de "técnicos" interpretasse o indicador como sinal de que os EUA estão deixando a recessão para trás.
O leitor mais importante, no entanto, tem nome e endereço conhecidos. É Alan Greenspan, o presidente do banco central dos EUA. Ao manter os juros em 1,75% ao ano na semana passada, Greenspan deu força à retórica de que a recessão está no fim (ou seja, não seria mais necessário reduzir os juros para estimular a economia).
Houve três vetores de recuperação da economia norte-americana nos últimos meses. A redução dos juros foi sem dúvida um elemento importante. A reativação do complexo militar-industrial norte-americano também jogou um papel. Finalmente, uma recessão que já dura praticamente um ano começa, em vários setores, a gerar uma queda nos estoques que motiva a reposição (portanto aquecendo a produção e reduzindo o desemprego).
A questão não é saber se há fatores positivos, mas sim a de entender o seu alcance, a sua sustentabilidade. Ora, no caso das taxas de juros, elas podem dar algum oxigênio ao consumo (dois terços do PIB norte-americano). Há uma redução de estoques estimulada pelo crédito barato. Mas a retomada sustentada do crescimento depende do início de um novo ciclo de investimentos. Por enquanto, a política econômica faz o que pode para evitar o pior, mas não tem o dom de reativar o investimento.
A não ser que certos setores republicanos tenham sucesso no lobby que fazem para dar mais trela às campanhas militares do presidente Bush (invadir mais países, fazer mais gastos em segurança), a guerra como fonte de estímulo econômico também tem limites a cada dia mais claros.
Ocorre que as notícias que chegam do mundo empresarial continuam deprimentes. A queima de estoques promovida a partir do final do ano passado já deu sinais de esgotamento em vários setores, como o automobilístico. Em janeiro, as vendas das principais montadoras norte-americanas voltaram a cair.
Torcer e apostar faz parte do jogo. No caso da economia dos EUA, no entanto, o placar continua negativo e há cada vez menos jogadores (empresas, trabalhadores e países) em campo.


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