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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Sofismas versus soluções
LUCIANO COUTINHO
Confrontados com novos
ventos políticos e com a força
dos fatos (por exemplo, a economia brasileira vulnerável a choques externos, pespegada em uma
taxa de juros insustentável, incapacitada para alcançar um ritmo
satisfatório de crescimento), os
defensores acadêmicos da política
econômica da gestão Cardoso-Malan se vêem perplexos. Alguns
se aferram a uma defesa "principista" do paradigma liberal. Outros compreendem a necessidade
de uma nova agenda e já reconhecem que -para poder reduzir expressivamente a taxa de juros- é imprescindível reduzir logo o grau de vulnerabilidade das
contas externas, diminuindo o
déficit em conta corrente por
meio da realização de um crescente superávit comercial.
Apressam-se, porém, a colocar
requisitos de consistência, tais como: aumento da taxa de poupança doméstica (requisito óbvio, se
se deseja aumentar o investimento agregado num contexto de diminuição da dependência da
poupança externa); manutenção
de um superávit fiscal primário
elevado na fase de transição; zelo
para com metas de inflação.
Esses requisitos são evidentemente válidos e, embora desafiadores, podem ser alcançados se
houver foco claro e manejo competente dos instrumentos de política econômica. Desde logo não é
inviável -como postulam alguns- a ampliação da taxa de
poupança doméstica. O incremento da formação de capital pode ser suportado por aumento
substancial do crédito (do BNDES
e do sistema bancário privado) e
por estímulo ao mercado de capitais (remoção da CPMF do mercado e por regras de incentivo aos
investidores institucionais). Decerto que esse movimento requer
uma trajetória crível e cadente
para a taxa de juros (o que, de
quebra, facilitará o alongamento
do perfil da dívida pública).
É falso, portanto, o argumento
de que seria necessário efetuar
um grande aumento do superávit
fiscal para ampliar a poupança
doméstica. Decerto, porém, que
não se pode abrir mão da sustentação de um superávit fiscal primário alto num período de transição, até que o aumento do superávit comercial estabilize as expectativas e permita a desejada
redução expressiva da taxa de juros.
Ao apontarem a necessidade de
aumento da poupança doméstica, os economistas liberais terminam sublinhando a importância
e a urgência da estruturação de
um padrão de financiamento para a economia brasileira, dado
que o precário arcabouço que
existiu nos anos 70 foi desfuncionalizado e desmontado pela
abertura financeira sem que nada tenha sido posto em seu lugar
(a política Cardoso-Malan tratou, de fato, de aprofundar a extroversão financeira). Essa nova
agenda deveria incluir uma discussão, a sério, sobre como viabilizar a expansão do crédito bancário e como promover o mercado
de capitais com a velocidade necessária para que surja uma oferta adequada de "funding" (em
termos de prazos e de custos de
capital) para os novos investimentos associados à expansão
das exportações e à substituição
de importações.
A necessidade de políticas industriais organizadas por cadeias
setoriais para expeditar a obtenção do superávit comercial tem sido ainda contestada pelos liberais
com dois tipos de argumento: a)
que essas políticas seriam pouco
eficazes e desnecessárias, dado
que a desvalorização recente já
teria posto a taxa de câmbio em
um nível suficiente para gerar superávits elevados -de todo modo, se isso não se verificar, a taxa
de câmbio deveria ser depreciada
ainda mais (se necessário, até para perto de R$ 3,5 por dólar!); b)
que as políticas industriais implicariam efeitos redistributivos indesejáveis, em favor de segmentos
empresariais e em detrimento das
camadas pobres, que deveriam
receber o benefício de gastos sociais ampliados.
O argumento de que a depreciação da taxa de câmbio pode, "per
se", solucionar tudo esbarra em
sérias dificuldades. Desde logo há
que considerar os graves riscos inflacionários que decorreriam de
novas rodadas sucessivas de desvalorização (por exemplo, para
chegar a uma taxa de câmbio de
R$ 3,5 por dólar). Além disso, com
os preços das commodities de exportação já deprimidos, novas
"máxis" teriam efeito marginal
decrescente.
O segundo argumento carece de
substância por duas razões: 1º) o
novo estilo de política industrial
competitiva, em cogitação, não é
intensivo nem em incentivos fiscais nem em proteção tarifária,
baseando-se em instrumentos de
política similares aos utilizados
nos países da OCDE; 2º) a redução da pobreza é, isso sim, efetivamente impossível no contexto
atual de juros muito elevados,
posto que: a) redistribui renda em
favor do topo rentista da pirâmide social; b) a carga de juros inviabiliza qualquer espaço fiscal
para novos gastos sociais; c) o
crescimento econômico pífio deprime o mercado de trabalho. Ao
contrário, a obtenção de crescente
superávit comercial -com auxílio de uma política industrial contemporânea-, conjugado com
uma queda expressiva da taxa de
juros, constitui o caminho mais
rápido e seguro (inclusive em termos de risco inflacionário) para a
economia crescer sustentadamente com redução da desigualdade social.
Luciano Coutinho, 54, é professor titular do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp). Foi secretário-geral do Ministério da Ciência e
Tecnologia (1985-88).
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