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ARTIGO
Ovo de Colombo?
CELSO DE CAMPOS TOLEDO NETO
Debate-se atualmente se a
solução para o problema
da conhecida "restrição externa", que tem impedido o país de
crescer a taxas mais expressivas, não estaria na adoção de
medidas que permitissem que o
real se depreciasse ainda mais.
De acordo com a "saída pelo
câmbio", como tem sido chamada, o real enfraquecido levaria à redução do déficit em transações correntes. Complementando a medida com diminuição na taxa de juros, estaria
aberta a avenida para o crescimento.
Antes de concluir que estamos diante de um "ovo de Colombo", é importante tecer algumas ponderações.
1) Depreciação nominal versus depreciação real
Como se sabe, é a depreciação
real do câmbio que importa para
alterar a posição do país em transações correntes. Se a depreciação for acompanhada de inflação, o efeito é diminuído e, eventualmente, anulado.
O real está historicamente "barato". Tomando a paridade média de 1947 a 2001, constata-se
que a moeda brasileira fechou o
ano passado com depreciação
real de cerca de 32%. É possível
depreciá-la ainda mais?
Utilizando dados de 96 países
para o período de 1960 até 1998,
construíram-se as respectivas séries de taxas de câmbio em termos reais, relativamente ao dólar, verificando os períodos em
que as mesmas estavam "depreciadas" ou "apreciadas" em relação à média. O exercício permitiu
obter uma amostra de quase
3.000 observações.
Lembrando que o real está depreciado mais do que 30% em relação à média, é interessante
constatar que, em cerca de 73%
dos casos de nossa amostra internacional, as moedas gravitam em
torno do intervalo de depreciação 20%. Note-se que depreciações acima de 40% são atingidas
em apenas 8% dos casos, sugerindo que, após esse "limite", as
depreciações nominais tendem a
ser seguidas de inflação, não convertendo-se em depreciações
reais (ver tabela).
2) Como proceder para evitar
que uma depreciação nominal
se reverta em inflação?
Quando a taxa de câmbio sobe,
os produtos importados ficam
mais caros, provocando aumento no nível geral de preços e, particularmente, nos custos industriais. A mudança de preços relativos pode fazer com que a meta
de inflação seja perdida, afetando
perversamente as expectativas de
inflação. Mas esse não é o maior
problema, pois, como se sabe,
não cabe ao Banco Central combater mudanças de preços relativos.
O maior problema reside na
propagação potencial do choque
de custos aos outros preços. É
simples verificar que, se o Banco
Central mantiver constante ou
reduzir a taxa de juro após uma
forte depreciação cambial, haverá crescimento da demanda agregada, amplificando o choque inicial de custos, gerando inflação
"genuína", não apenas mudança
de preços relativos. A política
monetária "neutra", que não acomoda o choque de custos, requer
aumento na taxa básica de juros
(1).
Para que o real se deprecie (em
termos reais) além do patamar
fortemente depreciado em que se
encontra atualmente, seria preciso que a medida fosse complementada por aumento do juro,
com evidente efeito deletério sobre o crescimento econômico.
Caso contrário, o resultado seria
mais inflação, sem crescimento.
3) Em que condições as depreciações cambiais afetam menos
os preços?
Os efeitos "primários" das depreciações cambiais sobre os preços tendem a ser menores quando a economia se encontra fortemente deprimida e quando a
moeda se encontra apreciada em
termos reais (2).
Naturalmente, o atual estado
da economia não é de crescimento excessivo. Mas também é verdade que estamos longe de uma
recessão profunda, com convincentes sinais de que 2002 apresentará crescimento maior que
2001. E, como se viu anteriormente, a moeda encontra-se fortemente depreciada.
Conclusão: depreciações adicionais do câmbio tenderiam a
ter, hoje, impactos maiores sobre
os preços do que os observados
no passado recente.
4) O problema do setor externo é cambial?
Note-se, no gráfico, que o nível
atual da taxa real de câmbio costumava ser associado a um déficit
em transações correntes muito
menor do que o registrado nos
últimos anos. Até 1987, nos anos
em que a taxa de câmbio esteve
depreciada mais do que 25%, o
déficit em transações correntes
médio foi de cerca de US$ 3,1 bilhões. Atualmente, o câmbio está
depreciado em mais do que 30%
e o déficit em transações correntes é de cerca de US$ 20 bilhões.
Mesmo considerando que a
economia era fechada antes de
1990 e que o câmbio foi muitas
vezes controlado, é notável a discrepância. Sugere-se que, das
duas, uma: a) ou o déficit em
transações correntes deverá diminuir significativamente no futuro, sem que a taxa real de câmbio tenha que mudar; ou b) a solução do problema exige mais do
que simplesmente desvalorizar o
câmbio. Em outras palavras, ou a
"saída pelo câmbio" é desnecessária ou inócua.
Como se sabe, há uma série de
outros entraves não-cambiais às
exportações brasileiras: a) estrutura tributária inadequada; b)
portos e transportes ineficientes e
caros e; c) protecionismo dos
compradores, para mencionar
alguns.
Concluindo, não há dúvida de
que a "restrição externa" e a aparente rigidez do déficit em transações correntes ante o aumento
expressivo da taxa de câmbio em
termos reais tornam urgente definir uma estratégia para que o
país consiga evitar problemas
maiores no futuro. Alguns analistas têm sugerido a "saída pelo
câmbio".
Antes de adotar essa estratégia,
contudo, é preciso ponderar que:
a) depreciações nominais não necessariamente resultam em depreciações reais; b) a moeda brasileira já está depreciada em termos reais, sendo improvável que
se consiga depreciá-la muito
mais, sem gerar pressões inflacionárias; c) o manual de macroeconomia sugere que a depreciação
nominal seja seguida de elevação
do juro, para evitar inflação, mesmo que se decida acomodar o aumento primário de preços; d) o
estado atual da economia sugere
que o impacto primário de uma
depreciação seria hoje maior do
que o que ocorreu no passado e;
e) é, no mínimo, questionável a
hipótese de que o problema das
contas externas seja de natureza
cambial.
Os juros estão altos, e muito.
Mas, para rebaixá-los, o caminho
é outro. Promover o ajuste das
contas públicas, avançar na reforma tributária e reduzir o "custo Brasil".
Celso de Campos Toledo Neto é economista-chefe da MCM Consultores Associados e doutorando em economia na
FEA-USP.
(1) Quando a moeda se deprecia, o nível geral
de preços sobe. Esse é o efeito primário do
"choque de custos". O estoque de moeda em
poder do público diminui, portanto, em termos
reais. Supondo que a demanda por moeda não
se altere, a restauração do equilíbrio no mercado monetário forçará a taxa de juro para cima.
No sistema de metas de inflação, no entanto, a
taxa de juro é determinada pelo Banco Central.
Como o mecanismo automático de ajuste não
existe, é evidente que a autoridade monetária
pode decidir manter constante ou reduzir a taxa de juro. Para fazer isso, contudo, ela deverá
expandir a oferta real de moeda para atender a
demanda (inalterada). Evidentemente, a expansão da liquidez faz com que a demanda aumente, amplificando o aumento primário dos
preços.
(2) Ver o texto para discussão número 5 do
Banco Central, de autoria de Sérgio Werlang,
sobre esse assunto.
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