São Paulo, sexta-feira, 03 de fevereiro de 2006

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Para especialistas argentinos, acordo é um paliativo necessário

FLÁVIA MARREIRO
DE BUENOS AIRES

Enquanto os brasileiros afirmam que o acordo de salvaguardas com a Argentina é um golpe contra o Mercosul, para analistas do país vizinho o MAC (Mecanismo de Adaptação Competitiva) aprovado tem pontos frágeis, mas é um paliativo necessário. "É um remédio que ajuda a baixar a febre, mas não cura o doente. É positivo no marco do processo imperfeito e incompleto de integração", diz Beatriz Nofal, da consultoria Eco Axis SA.
Ex-subsecretária de Indústria e Comércio Exterior, ela afirma que a possibilidade de restringir o comércio quando ele prejudicar a indústria do vizinho é um "alívio temporário" e só funciona se for cumprido um pacto embutido nele: o setor protegido se modernizar para concorrer livremente.
O chamado PAC (Programa de Adaptação Competitiva) associado a salvaguarda obriga o governo importador a monitorar e estimular a indústria local. Esse é considerado um ponto frágil, já que depende de investimento tecnológico e de uma política industrial -os analistas concordam em que aumentar o nível de investimento é um dos principais problemas da Argentina e que não há política industrial definida.
Ainda assim, Dante Sica, da consultoria abeceb.com, afirma que o nível de investimento na indústria vizinha cresce, inclusive de calçados e têxteis, pivôs de "guerras comerciais". Para estes setores, há hoje cotas anuais para entrada de produtos. "Recuperamos o nível de investimento de 1998, mas está mais ligado a médias e pequenas empresas."
Para Sica, uma fragilidade do acordo é o controle do desvio de comércio (o risco de deixar de importar do vizinho para comprar de terceiros fora do Mercosul). "Não está muito claro como isso será feito", diz ele. Em 2005, a abeceb.com preparou um relatório mostrando que, no caso de calçados, após a limitação de importação brasileira, a entrada de sapatos chineses subiu mais de 80% nos primeiros cinco meses do ano. No mesmo período, o crescimento brasileiro foi de 8%.
Ele não acredita, porém, que haja uma corrida de setores industriais para pleitear o MAC. "Todos os setores sensíveis já estão negociando ou negociaram."
Felix Peña, diretor do Instituto de Comercio Internacional da Fundação BankBoston, diz que adoção do mecanismo apenas bilateralmente é um problema para o Mercosul e pode gerar reclamações de sócios menores. Mas diz que a medida dá horizonte de previsibilidade para investir. "Pior seria ignorar as assimetrias."
Beatriz Nofal afirma que o MAC não pode substituir a necessidade de coordenar e uniformizar políticas de investimento e incentivo à exportação nos dois países -o problema crônico do bloco. Ela afirma que há problemas em todos os países, mas que o Brasil oferece incentivos financeiros à exportação dentro do Mercosul e libera de impostos insumos usados nos produtos enviados aos vizinhos. "Nessas condições fica muito difícil competir", afirma.
Comemorado pelos industriais argentinos, o MAC ainda está sendo analisado pelos fabricantes de geladeiras, símbolos da "guerra comercial" recente. Eles fecharam uma cota de importação brasileira emergencial para o mês de janeiro e se reunirão até o dia 15 deste mês com o setor no Brasil para discutir o mecanismo e decidir se renovam o acordo.


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