São Paulo, sexta-feira, 03 de fevereiro de 2006

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LUÍS NASSIF

De onde nada se espera

De onde nada se espera é de onde nada vem. É o caso do Banco Central. Tem-se um quadro claramente de excesso de dólares, a chamada "doença holandesa"-que se manifestou quando a Holanda se converteu em grande exportadora de petróleo. A explosão da exportação de um produto primário provocou enorme superávit comercial, excesso de entrada de dólares, apreciando a moeda nacional e exterminando parte da estrutura industrial interna.
O Brasil atravessa essa quadra, com a explosão dos preços das commodities agrícolas. Esse cenário foi profundamente agravado pela política de juros do Banco Central, muito acima das taxas de equilíbrio das captações internacionais. Lá fora, o Tesouro mostra ser possível colocar títulos soberanos a 13% ao ano, em taxas prefixadas. Aqui, fica-se em uma taxa Selic de 17,25% ao ano, atraindo capital de arbitragem e forçando ainda mais a apreciação do real.
Houvesse um mínimo de ousadia e criatividade da parte do BC, se sairiam dos manuais de economia e se adotariam medidas visando segurar esse fluxo de alguma maneira -impondo uma sobretaxa para as exportações, permitindo aos exportadores manter contas no exterior, estabelecendo restrições à emissão de bônus no exterior.
É curioso, aliás, que os bravos pensadores da Casa das Garças critiquem as linhas de financiamento do BNDES -por presumivelmente comprometerem a política monetária, na medida em que seu custo não é afetado pela taxa Selic- e nada falem sobre a captação de recursos no exterior.
Do ponto de vista de política monetária, a emissão externa é mais deletéria. Aumenta-se a taxa Selic para se reduzir a demanda por crédito. Como as captações internacionais não são afetadas pela taxa Selic, e vêm sofrendo reduções continuadas devido à queda do risco Brasil, quando maior a taxa Selic, maior o estímulo à captação de dólares -inclusive para operações de arbitragem. Mais: ao internalizar os dólares, o investidor derruba ainda mais sua cotação, ou obriga o BC a emitir reais e adquirir reservas, com custos fiscais expressivos. Como é que fica, professores Pérsio e Bacha?
Ao antecipar o pagamento ao FMI, o BC reduziu a "exposure" lá fora. Ao recompor as reservas, agregou um custo fiscal de 0,2% a 0,4% do PIB, jogando pelo ralo parte do esforço fiscal. Pagou dívida externa (que tem juros menores) com dívida interna (que tem juros maiores).
Para 2006, os efeitos dos juros serão piores, porque se sai de uma base de dívida maior.: o BC pagou dívida externa com dívida interna. Com uma base maior, aumenta o custo de carregamento da dívida anulando os efeitos de uma redução de juros.
Para uma dívida de R$ 800 bilhões, uma taxa Selic média de 20% representaria R$ 160 bilhões. Com a dívida saltando para R$ 1 trilhão, se a taxa Selic cair para 16% (quatro pontos a menos), o serviço da dívida continuará em R$ 160 bilhões.
É uma herança maldita, essa dos doutores Palocci, Meirelles e Bevilácqua. E não se espere de um segundo governo Lula a correção de rumos. Exige uma dose de convicção, de idéias próprias, de coragem cívica que não demonstrou no primeiro governo. E de onde não se espera nada...


E-mail: Luisnassif@uol.com.br

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