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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Caminho crítico
LUCIANO COUTINHO
As atuais autoridades econômicas, especialmente as
do Banco Central, têm-se esforçado em defender a viabilidade da
atual política gradualista de redução do déficit externo com queda (ainda mais lenta) da taxa de
juros. Alguns áulicos, mais otimistas, tentam vender cenários
róseos em que todas as condições
macroeconômicas se ajustariam
suavemente contando com uma
paciente disposição dos mercados
financeiros (externo e interno)
em financiar o déficit em conta
corrente (que cairia devagar) e a
rolagem da dívida pública. Esses
exercícios supõem que o contexto
internacional vá ser muito favorável, isto é, não ocorrerão choques financeiros, a taxa de risco-país cairá muito e rapidamente, o
comércio internacional será benigno com as nossas exportações
etc.
Trata-se, obviamente, de matéria de fé (ingênua) ou de má-fé
acreditar e postular cenários
mundiais superfavoráveis como
base para a política macroeconômica do país. Qualquer mente
responsável e sintonizada com a
experiência dos últimos anos reconheceria a elevada probabilidade de ocorrência de choques
externos adversos mormente ao
tratar de cenários de longo prazo.
Simulações realistas do balanço
de pagamentos e da evolução da
dívida e das finanças públicas,
efetuadas recentemente por Fernando Sampaio e por Bernard
Appy, da LCA Consultores, mostram que as trajetórias macroeconômicas são inequivocamente
sensíveis à ocorrência de choques
externos. Num cenário de oito
anos (correspondentes aos próximos dois mandatos presidenciais), por exemplo, a superveniência de apenas dois choques
externos (arbitrariamente inseridos em 2005 e em 2008) pode inviabilizar a sustentabilidade das
trajetórias. Os choques externos
dificultariam o financiamento espontâneo do déficit em conta corrente e provocariam depreciações
cambiais com pressões inflacionárias, o que exigiria elevações
significativas da taxa de juros para conter o crescimento, atrair capitais e obter apoio internacional.
O impacto desses choques sobre
os títulos públicos indexados à taxa Selic e também, em parcela
importante, à taxa de câmbio é
imediato e deletério, o que coloca
sob tensão o financiamento da dívida mobiliária. As simulações
concluem que há um caminho
crítico que depende da frequência
e da intensidade dos choques externos. Nas hipóteses adotadas, só
seria possível obter trajetórias
sustentáveis se o ajuste do déficit
em conta corrente fosse efetuado
com uma velocidade apreciável,
por meio da obtenção de superávits comerciais substanciais e
crescentes num prazo relativamente curto.
Até 2004, seria necessário alcançar um saldo comercial da ordem de US$ 13 bilhões a US$ 14
bilhões, de modo a convencer os
mercados da solidez da trajetória
das contas externas, permitindo a
redução mais incisiva e irreversível da taxa de juros com efeitos
virtuosos, efetivos, sobre a dinâmica da dívida pública. Nesse
contexto, também seria possível
reduzir rapidamente a parcela
dolarizada da dívida, aliviando
os efeitos desfavoráveis das depreciações cambiais sobre esta.
Em suma, a velocidade do ajuste externo não é irrelevante. Pelo
contrário, um ajuste lento e excessivamente gradualista pode enveredar, facilmente, por rotas de colapso diante de choques externos,
choques que rebatem negativamente sobre o crescimento do PIB
e sobre as taxas de juros, câmbio e
inflação com impactos explosivos
indesejáveis sobre a dívida mobiliária pública.
Está posto, portanto, o desafio
do ajuste mais rápido das contas
externas. Uma política industrial
bem coordenada com o setor privado, de promoção comercial e de
investimento competitivo, só pode ajudar a alcançar essa trajetória mais segura e robusta.
Um dos caminhos para obtê-la
são as políticas de entendimento
setorial com as filiais das empresas transnacionais. Em tese recém-apresentada ao Instituto de
Economia da Unicamp, Célio Hiratuka mostra que o comportamento comercial das empresas estrangeiras nos anos 90 não preencheu a expectativa dos economistas liberais. Apesar dos expressivos ganhos de produtividade e de
eficiência, essas empresas não
realizaram avanços comerciais
(salvo no âmbito do Mercosul).
Ao contrário, as empresas estrangeiras seguiram racionalmente os
sinais da política macroeconômica. À sobrevalorização da taxa de
câmbio na segunda metade da
década correspondeu uma inflexão para estratégias importadoras e/ou de negligência vis-à-vis
as possibilidades de investimentos orientados para a exportação.
Hoje, depois das maxidepreciações de 1999 e de 2001, coloca-se a
oportunidade de acelerar a resposta das empresas estrangeiras
ao estímulo cambial. A coordenação de suas decisões com políticas
industriais setoriais pode apressar investimentos e iniciativas
concretas na direção de novas
fronteiras de exportação e de projetos de substituição de importações em prol de um ajuste mais
rápido e benfazejo da balança comercial brasileira.
Luciano Coutinho, 54, é professor titular do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp). Foi secretário-geral do Ministério da Ciência e
Tecnologia (1985-88).
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