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LUÍS NASSIF
O "footing" e a "tábua"
Meu amigo Perri é de Mococa, mas viveu em Mogi-Mirim. Sou de Poços de Caldas,
mas frequentei São João da Boa
Vista. Aí, resolvemos relembrar
algumas características das
quatro cidades, e nos demos
conta de que os hábitos dos anos
60, que considerávamos exclusivos de nossa tribo, eram nacionais.
Em quase todas as cidades havia o "footing" na sexta e no sábado à noite, às vezes no domingo à tarde. Na praça principal,
as moças andavam em círculos
internos, no sentido anti-horário, os rapazes do lado externo,
ambos em sentido contrário para poder cruzar com várias pessoas e, a cada volta, rever o alvo
da paquera.
Teve época que a obsessão do
Sérgio Manucci, amigo nosso,
era inverter a mão do "footing".
A gente chegava às 19h na praça, antes dos outros, e começávamos a andar invertendo a
mão. Mas era só encher a praça
para os conservadores voltarem
a impor o curso convencional.
Como é difícil modernizar os
hábitos do interior!
Em todas as cidades havia
dois "footings". De um lado, o
dos "ricos" -em Poços, a classe
média, na Mococa do Perri, os
fazendeirões. Do outro, o da
classe popular para onde, em geral, íamos mais tarde namorar
mocinhas mais fogosas do que
as amigas de nossas primas e irmãs, alunas semi-recatadas de
colégios de freiras. Em geral no
meio havia o coreto com a retreta.
As mocinhas mais fogosas
eram chamadas de "biscates".
Certa vez, lá pros 25 anos de
idade, ajudei a montar um jornalzinho em Poços e sugeri, como grande atração, a série "as
biscatinhas do nosso tempo".
Foi um perereque dos diabos!
Aí, desistimos. Mas algumas, como Juju Faísca, ainda hoje moram no coração de toda nossa
geração.
Ainda peguei um rescaldo do
"corso", o desfile de carros no
carnaval, com rapazes e moças
nas capotas jogando confete,
serpentina e lança-perfume Rodometálico, da Rhodia.
Eu usava lança-perfume porque meu pai recebia amostra
grátis da Rhodia. Em geral, a
meninada recorria às bisnagas
de água. Às vezes misturávamos
Lacto Purgo na água e virava o
"sangue do diabo", um líquido
vermelho que assustava as vítimas, mas que, depois de seco,
não deixava mancha.
Certa vez, na sacada da casa
de meu avô, em cima da farmácia central, Salve Sempre, do
meu pai, à falta de uma bisnaga
resolvi apelar para o xixi. E ensopei uma freguesa que saía da
farmácia. Meu pai ficou louco
da vida, com justa razão.
Pelo que o Perri e eu checamos, a maneira de abordar as
moças nos bailes era a mesma.
Lá do canto do salão você encarava a donzela. Ela retribuía
de soslaio. Você insistia, para
confirmar. Se ela olhasse a segunda vez você botava a mão
no bolso, porque jovem não sabe
onde esconder a mão, e atravessava o salão com aquele andar
desajeitado de adolescente, arqueando de um lado para o outro que nem bambu bêbado. Aí
chegava de frente à donzela e fazia um sinal com a cabeça,
apontando o salão. Se a donzela
concordasse, começava a dança,
inicialmente guardando distância respeitosa e, se a sorte ajudasse, terminando em rala-coxa.
Foi assim com minha primeira namoradinha, uma moça bonitinha de Paraguaçu de Minas,
interna do Colégio São Domingos e colega da minha irmã
mais velha.
Como era interna, só nos encontramos em duas circunstâncias: nas missas de domingo, para a qual consegui um lugar de
coroinha, só pelo resto de vinho
e de hóstia não consagrados e
pela possibilidade de ver a musa; e na sua formatura. Lá, sem
o olhar vigilante de Deus e das
freiras, dançamos agarradinhos, de acordo com o manual.
Foi o primeiro e último contato.
Nem sempre -a bem da verdade quase sempre- o resultado da abordagem era outro,
ainda mais quando se é um
adolescente magricela e desajeitado ambicionando mulher
mais velha. Como nos Jogos
Abertos da Mogiana, em Franca, ao qual compareci na condição de capitão do time de Tênis
de Mesa da Associação Atlética
Caldense. Tinha 17 anos, fui ao
baile de encerramento com um
pulôver gola rolê, especialmente
tricotado por minha mãe, dona
Teresa, e cumpri o ritual.
Mirei a moça, um baita de um
mulherão -ainda que meio coroa, de uns 19 anos-, fiz o sinal,
meus olhos míopes acharam
que a donzela havia retribuído,
atravessei o salão balançando o
corpo, do jeitinho descrito pelo
Perri.
Quando cheguei em frente à
deusa e fiz o sinal com a cabeça,
a resposta foi fulminante: "Não
danço com criança". Eu havia
sido vítima da pior tragédia que
poderia acometer um adolescente: uma tábua! Aí o recurso é
olhar de lado, conferindo se alguém percebeu, e retomar o trajeto de volta, com as mãos no
bolso e o corpo bambeando. E,
de preferência, assobiando para
disfarçar.
E-mail -
lnassif@uol.com.br
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