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ARTIGO
Crescimento dos países requer opções dolorosas
MARTIN WOLF
DO "FINANCIAL TIMES"
Dizem que um camelo é um
cavalo criado por uma comissão. Isso é injusto para com os
camelos. Eles podem ser feios e
truculentos, mas são maravilhosamente adaptados a seu ambiente árido. Infelizmente, o mesmo
quase nunca vale para os produtos das comissões.
O relatório da semana passada
da Comissão Mundial sobre a Dimensão Social da Globalização,
patrocinada pela Organização Internacional do Trabalho, não é exceção. O relatório é longo em aspirações bem-intencionadas e
curto em análise rigorosa.
Apesar de todas as limitações do
relatório, pelo menos quatro pontos devem ser destacados: a era da
globalização viu importantes
avanços econômicos em importantes países pobres; as políticas
comerciais dos países ricos são indefensáveis; a liberalização financeira adotada por muitos países
em desenvolvimento freqüentemente teve conseqüências danosas; e a condição necessária para o
alívio da pobreza extrema é uma
maior ajuda internacional para os
países mais pobres.
Em 16 países em desenvolvimento, que contêm 45% da população mundial, o Produto Interno
Bruto per capita aumentou mais
de 3% ao ano entre 1985 e 2001.
Entre esses, estão dois gigantes
asiáticos, a China e a Índia. Isso é
animador. Mas em 23 países, que
contêm 5% da população mundial, o PIB per capita declinou.
Em outros 14, contendo pouco
menos de 8% da população mundial, a renda per capita subiu menos de 1% ao ano. Ao todo, cerca
de 750 milhões de pessoas vivem
em países que estão falindo.
A globalização criou oportunidades. Muitos se beneficiaram.
Mas muitos não. Mais uma vez, o
histórico da liberalização do comércio pelos países de alta renda
em áreas de maior interesse para
os países em desenvolvimento é
deplorável. O relatório é notavelmente franco sobre isso. "O protecionismo agrícola é um dos
principais obstáculos para a redução da pobreza", diz o relatório.
Sobre a liberalização financeira,
o relatório afirma que a instabilidade dos fluxos financeiros prejudicou os países em desenvolvimento. Por isso, eles "deveriam
poder adotar uma abordagem
mais cautelosa e gradual à liberalização da conta de capital".
Por fim, o documento tem razão ao salientar que a assistência
oficial ao desenvolvimento é hoje
pouco superior a 0,2% do PIB dos
países de alta renda. Os EUA estão
gastando mais no Iraque do que
todos os países de alta renda estão
gastando nos países em desenvolvimento. Isso é indefensável.
No entanto o relatório também
tem defeitos notáveis. Estes vêm
em parte de sua aceitação relutante do papel das forças de mercado
no desenvolvimento e sua indisposição para enfrentar os críticos
mais tolos da globalização. Mas
também vêm do fato de ele evitar
as opções dolorosas.
O relatório pede um "Estado democrático e eficaz". A maioria
concordaria com isso. Mas a democratização provou ser uma
condição nem necessária nem suficiente para o desenvolvimento
econômico. O país em desenvolvimento mais importante e mais
bem-sucedido nas últimas duas
décadas é a China. Seu sucesso é
apenas o exemplo mais marcante
de um fenômeno geral no leste da
Ásia: o progresso desses países
não começou sob a democracia,
mas sob regimes autoritários.
Novamente, considere-se a soberania. A capacidade de as pessoas se envolverem em atividades
econômicas produtivas depende,
mais que nada, da qualidade do
Estado. Infelizmente, os países
com as populações mais pobres
são, quase por definição, mal governados. A isso o relatório responde pedindo uma "boa governança nacional, construída sobre
um sistema político democrático,
o respeito aos direitos humanos e
a igualdade de gêneros, a igualdade social e o domínio da lei".
Os 20 países mais pobres são
praticamente tão pobres hoje
quanto já eram há 40 anos. Isso só
pode ser modificado se eles começarem a funcionar de maneira diferente, o que exigirá uma grande
ajuda externa. Mas também vai
exigir uma transformação doméstica radical. Se a soberania
desses Estados disfuncionais for
protegida, suas populações continuarão pobres. Para que suas populações sejam ajudadas, a soberania de seus Estados deve ser
questionada. Esse é um dilema
que não será solucionado por clichês sobre a boa governança e o
respeito aos direitos humanos.
Agora examine os padrões de
trabalho. O relatório é, como seria
de esperar de um documento da
OIT, influenciado pela onipresença, nos países em desenvolvimento, de mercados de trabalho informais e desregulamentados. O que
falta é um reconhecimento de como os mercados de trabalho realmente funcionam em economias
com enormes excedentes de mão-de-obra desqualificada.
Existe um relacionamento maligno entre os padrões relativamente altos, e custos, nos mercados de trabalho formais e a ausência desses padrões e os baixos custos nos informais. O crescimento
do setor formal é prejudicado pela
regulamentação, gerando um
maior excedente de trabalhadores
para uma economia informal
subcapitalizada. O resultado é
uma economia dualista, com um
setor formal moderno relativamente bem pago e um enorme setor informal desregulamentado e
impossível de regulamentar.
Essas dificuldades não são banais. É irresponsável fingir que
podemos ter tudo o que desejamos, sem jamais precisar fazer
opções dolorosas.
A democracia, a soberania e os
padrões de trabalho elevados
nem sempre, ou mesmo necessariamente, andam juntos com o
crescimento econômico mais rápido e a prosperidade mais distribuída. Às vezes temos de escolher.
Esse relatório precisa nos aconselhar a como fazer isso.
Se o mundo assumir como uma
de suas prioridades a promoção
do desenvolvimento mais rápido
nos países mais pobres, frágeis e
pior governados, essas evasões
não servirão. Somente governos
honestos com políticas sensatas e
instituições decentes farão o serviço. Mas também devemos estar
dispostos a tolerar a operação das
forças de mercado, em países ricos e pobres, por mais desconfortáveis que sejam. A tarefa que enfrentamos é enorme, e algumas
das opções são dolorosas. Não vamos fingir que as coisas são diferentes.
Tradução de Luiz Roberto
Mendes Gonçalves
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