São Paulo, quinta-feira, 03 de março de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CRISE NO CAMPO/ANÁLISE

Socorro "fácil" ameaça agronegócio profissional

MAURO ZAFALON
DA REDAÇÃO

A agricultura foi do céu ao inferno em apenas um ano. Carro-chefe da economia e das exportações, o setor começa a patinar e poderá ter sérios problemas. É preciso, no entanto, fugir das tentativas de benesses e bondades generalizadas do passado para com o setor, principalmente porque as pressões políticas para isso são fortes.
A agricultura tem problemas, e sérios, neste momento. Mas cada caso deve ser avaliado isoladamente. A volta ao passado pode prejudicar a imagem de profissionalismo e seriedade que o setor conseguiu nos últimos dez anos.
Os problemas do setor são evidentes. Os preços dos principais produtos comercializados pelo Brasil estão com queda de até 35% no mercado externo neste início de safra em relação ao mesmo período do ano passado. Para complicar, os produtores pagaram de 20% a 30% a mais pelos insumos básicos utilizados na produção.
O dólar, "moeda oficial" para reajustar os preços dos insumos, estava a R$ 3,20 no plantio, mas recuou para R$ 2,60 na venda da safra. Ou seja, os custos foram elevados no plantio mas a receita vai ser pequena na venda da colheita.
Finalmente, o golpe de misericórdia foi a quebra da safra, pelo segundo ano seguido, em algumas regiões produtoras. A mais afetada foi o Rio Grande do Sul.
Sabendo-se que pelo menos 60% dos investimentos no plantio saem do bolso dos próprios produtores -ou de empréstimos de bancos e de antecipações de insumos pelas multinacionais e cooperativas-, o cenário para a próxima safra toma contornos preocupantes já que o produtor vai estar descapitalizado.
Duas medidas do governo poderiam recuperar o poder de renda dos agricultores neste ano: os parcelamentos do custeio da safra 2004/5 e do vencimento dos financiamentos de máquinas agrícolas -este último concedido ontem pelo governo. Os financiamentos do Moderfrota, após dois anos de carência, começam a vencer neste ano.
Esse adiamento, no entanto, não deve ser "a perder de vista" -como quer parte dos agricultores-, mas deve manter os encargos dos contratos originais.
Afinal, quando se trata de contratos, parte dos agricultores tem uma visão um pouco distorcida da realidade. No ano passado, quando a soja chegou a US$ 17 por saca, romperam os contratos com cooperativas e "tradings" porque as cláusulas iniciais indicavam pagamento de apenas US$ 12 por saca por parte dessas instituições. Neste ano, parte deles ameaça não honrar os financiamentos com essas empresas porque a soja está com preços baixos.
Traduzindo: quando o cumprimento de um contrato significa que o agricultor receberá menos (porque o preço acertado antes é inferior ao do dia do pagamento), rasgue-se o contrato; quando o que está no contrato significa que ele terá "custo maior" (porque o produto a ser vendido para quitar o financiamento está em baixa), rasgue-se também o contrato.
A agricultura é um atividade de risco, mas, para se manter atraente aos investimentos, tem de seguir -e cumprir- contratos e normas como qualquer outra atividade da economia.
Outro sinal de alívio para os produtores seria a antecipação, por parte do governo, do crédito para a safra de inverno. O governo elevou o crédito para os produtores afetados pela seca, mas o plantio está próximo e os financiamentos deveriam chegar o mais cedo possível.


Texto Anterior: Pecuária: Rússia alivia embargo a carnes brasileiras
Próximo Texto: Má gestão da renda prejudicou os agricultores
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.