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OPINIÃO ECONÔMICA
Vitória da Argentina
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
"Um triunfo político para
o presidente Néstor
Kirchner." Assim se referiu a revista "The Economist" à recém-concluída reestruturação da dívida argentina. A operação foi realmente excepcional. O deságio médio, da ordem de 70%, representou o dobro do alcançado em
reestruturações recentes de outros
países que entraram em moratória. Kirchner, eufórico, declarou
que o seu governo fez "a melhor
negociação da história mundial".
O presidente argentino tem motivos de sobra para comemorar,
mas não houve propriamente negociação. A Argentina apresentou a seus credores um contrato
de adesão, numa base "take-it-or-leave-it". Depois de muitas ameaças, pressões e previsões sombrias,
a grande maioria dos credores resolveu "take it". A adesão acabou
superando as expectativas.
O sucesso da Argentina resultou
da combinação de coragem e
competência que vem caracterizando não só o tratamento da
questão da dívida mas o conjunto
da sua política econômica. Apesar da moratória e dos duros embates com o FMI e os credores externos, o desempenho da economia argentina tem sido fora do
comum. O PIB cresceu quase 9%
ao ano em 2003 e 2004. A rápida
recuperação da economia não
impediu que a inflação permanecesse sob controle. A taxa de inflação (preços ao consumidor) passou de 41% em 2002 para 4% em
2003 e 7% nos 12 meses até janeiro de 2005.
Os bons resultados refletem, é
claro, o aproveitamento da capacidade produtiva ociosa acumulada durante a recessão e as condições internacionais favoráveis
de 2003 e 2004. Mas eles não teriam sido possíveis sem a flexibilidade que caracteriza a política
econômica argentina.
O superávit fiscal primário registrado em 2004, o mais alto das
últimas décadas, foi suficiente para cobrir toda a despesa financeira e ainda gerar um resultado nominal superavitário nas contas
da administração nacional. No
entanto, o governo argentino rechaçou a exigência do FMI de que
fossem aumentadas as metas para o superávit primário.
Obviamente, o resultado nominal superavitário não teria sido
possível se a Argentina praticasse
juros extravagantes como os brasileiros. Atualmente, a taxa de juro nominal de curto prazo é de
4,4% ao ano e vem sendo sempre
muito inferior à brasileira. Com
juros semelhantes aos nossos, o
crescimento da economia teria sido menor, dificultando o aumento da arrecadação tributária e a
geração de superávits fiscais primários. E o custo da dívida pública teria sido maior.
Maiores seriam, também, as
pressões para a apreciação cambial. O Banco Central da Argentina tem resistido a essas pressões,
preocupando-se em sustentar
uma taxa de câmbio competitiva.
A apreciação do peso com relação
ao dólar foi moderada até agora.
Considerando uma cesta de moedas relevantes para o comércio
exterior argentino, ocorreu até
uma pequena depreciação real no
ano passado. Para conter a valorização do peso, o BC tem acumulado reservas internacionais, esterilizando parte do impacto monetário da compra de divisas com
emissão de títulos a juros moderados. No Brasil, o custo fiscal da
formação de reservas é muito alto, em razão dos juros praticados
pelo Banco Central.
As circunstâncias do Brasil são
diferentes. Não convém simplesmente imitar a Argentina no que
diz respeito ao tratamento da dívida ou outros aspectos da política econômica.
Não obstante, uma coisa parece
clara: a experiência da Argentina
contrasta de maneira notável
-para não dizer constrangedora- com o conservadorismo rotineiro e amedrontado da equipe
econômica do governo brasileiro.
Paulo Nogueira Batista Jr., 49, economista e professor da FGV-EAESP, escreve
às quintas-feiras nesta coluna. É autor
do livro "A Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net
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