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LUÍS NASSIF
Engenharia da dívida
Há uma certa confusão conceitual na análise da renegociação da crise argentina.
A primeira é tratar a operação
como calote. Calote dá quem pode
pagar e não paga. Inadimplência
e renegociação são atividades normais na análise de risco bancário.
O próprio prêmio de risco pago pela Argentina trazia implícito o risco de "default".
A segunda é atribuir à renegociação a profunda queda do PIB
argentino dois anos atrás. A crise
foi conseqüência de um modelo irrealista de congelamento do câmbio.
O terceiro engano é considerar
que a perda dos investidores corresponde ao deságio de partida.
Os bônus oferecidos precisam ser
analisados não apenas em relação
ao desconto inicial mas ao prazo e
juros oferecidos. E precisam ser
analisados em relação a um custo
de oportunidade -isto é, a um investimento alternativo.
O bônus de desconto é um papel
com 66,3% de deságio, mas com
taxas de juros de 8,28% ao ano. O
bônus "casi par" tem deságio de
30,1% e uma taxa de juros de
3,31% ao ano. O primeiro termina
a amortização em 2024, o segundo, em 2036.
Tomando-se por base as taxas
de juros norte-americanas, vamos
comparar o investidor A, que aplicasse 100 em títulos norte-americanos, com o investidor B, que trocasse os 100 por um bônus de desconto, e o investidor C, que aplicasse em bônus ao par, ambos com
os deságios previstos.
Se a taxa de longo prazo ficar em
3% ao ano, o investidor B sofrerá
uma perda de 10,4% em relação à
aplicação em títulos norte-americanos; e o C, uma perda de 8,03%.
Se a taxa de longo prazo de comparação for de 4% ao ano, a perda
do investidor B será de 19.5%, e a
do C, de 17,7%.
Pode-se alegar que os títulos
americanos são mais seguros e,
portanto, sua rentabilidade não
pode ser equiparada ao novo título argentino. Pode-se alegar que
não há garantias de que a Argentina consiga pagar os bônus até o
final.
Mas não se está falando em operação normal de mercado, mas
em uma renegociação forçada pelas circunstâncias, de um país que
quebrou. E o próprio fato de a Argentina apresentar uma proposta
para sair do "default" é prova de
boa vontade que não pode ser ignorada.
A grande questão, que um dia
terá que ser mais bem analisada
pelo direito internacional, é dos
grandes bancos que sugaram o
país até o último momento, tinham noção exata da iminência
da quebra do país e empurraram
os títulos para pequenos investidores, desavisados. Esse é o nó. Não
se tenha dúvida de que as associações de investidores em breve voltarão suas baterias contra os grandes bancos que as fizeram micar
com os títulos argentinos.
E-mail - Luisnassif@uol.com.br
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