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IMPUNIDADE
Procuradores e promotores de Justiça se queixam de legislação que abre brechas para sonegadores se livrarem de punições
Leis travam combate a crimes tributários
CLAUDIA ROLLI
FÁTIMA FERNANDES
DA REPORTAGEM LOCAL
Um dos maiores empresários
do setor de construção civil do
país deixou de pagar R$ 7 milhões
de tributos ao governo federal e
foi condenado no ano passado a
quase três anos de prisão. Quinze
dias após a decisão do juiz, o empresário quitou à vista o débito.
Com isso, livrou-se da cadeia.
O empresário se safou da pena
ao recorrer à lei 10.684, de maio de
2003, que, em seu artigo 9º, extingue a punição para os contribuintes que pagam de uma só vez suas
dívidas com a Receita Federal e
com a Previdência Social.
Esse caso não é único. Centenas
de empresários se beneficiam de
leis como essa -que instituiu o
programa de parcelamento especial de débitos (Paes)- e de outras que abrandam punições dos
contribuintes que cometem crimes tributários. Procuradores e
promotores de Justiça que atuam
no combate a esses crimes estão
indignados com as leis que tratam
de crimes da ordem tributária e
decidiram pressionar o Executivo
e o Legislativo para modificá-las.
A extinção de punições para
quem sonega e frauda os impostos se tornou mais evidente a partir de 1995, com a lei 9.249. Em seu
artigo 34, essa lei suspende a punição para os que pagam impostos
ou contribuições sociais antes de
a denúncia ser feita à Justiça.
Um ano depois, a lei 9.430 determinou que a Receita, responsável pelo recolhimento de tributos
como IR, PIS, Cofins, IOF e
CPMF, só poderia encaminhar
documentos de suspeitas de crimes ao Ministério Público depois
de concluída a fase administrativa
de investigação interna do órgão.
Cabe ao MP abrir um processo e
denunciar o contribuinte à Justiça
quando há indícios de crime.
Em 2000 e 2003, as leis do Refis
(programa de refinanciamento de
dívidas federais) e do Paes deram
mais uma chance para os contribuintes escaparem de punições.
Editada no governo FHC, a lei do
Refis suspende a punição antes de
ser feita a denúncia criminal. A do
Paes, criada no governo Lula,
nem leva em conta esse prazo: se o
sonegador pagar o que deve, se livra da pena a qualquer momento.
Uma decisão do STF (Supremo
Tribunal Federal) do final de 2003
sobre crimes tributários deixou os
promotores mais revoltados ao
reafirmar que não há crime tributário enquanto não acabar o processo administrativo na Receita.
Para o governo, o que interessa
é a arrecadação: receber os tributos sonegados ou atrasados. Para
os procuradores, sem punição, o
país facilita -e estimula- o crime tributário. "A cultura do país é
receber, não prender. A missão da
Receita é arrecadar impostos", diz
Luiz Fernando Lorenzi, coordenador-geral substituto da área de
fiscalização da Receita.
"É usual em crimes contra o patrimônio haver condenação, e depois a pena ser convertida. A teoria é que uma pessoa produtiva
não deve ser privada de liberdade", diz Everardo Maciel, consultor e ex-secretário da Receita.
"O Ministério Público Federal
não tem o objetivo de perseguir os
empresários. A atividade deles é
essencial para a economia. Mas o
fato é que existem regras para
qualquer atividade, pública ou
privada, que decorrem da Constituição, e o Ministério Público age
na fiscalização dessas regras", diz
o procurador Luciano Feldens,
que atuou em dezenas de casos de
sonegação na região Sul do país.
"Com essas leis, é um baita negócio não pagar impostos no país.
Na pior das hipóteses, se a Receita
descobrir que houve crime, o empresário paga o deve e se vê livre
do processo. A legislação estimula
a criminalidade", diz Douglas Fischer, procurador-regional da República da 4ª região (Sul). "O empresário que rouba milhões paga
o que deve e se livra. Um trombadinha que roubar uma carteira
com R$ 50 vai responder pelo crime, mesmo se devolver o que roubou. A lei não é igual para todos."
O Rio Grande do Sul é um dos
mais ativos na condenação de
empresários por crime tributário.
De 95 para cá, centenas foram
condenados à prisão -há casos
de condenações em primeira instância de até 14 anos-, mas as
punições foram abrandadas por
conta da legislação tributária ou
dos benefícios concedidos a todos
pelo próprio Código Penal.
Como os sonegadores sabem
que podem se livrar da prisão,
deixam para pagar os tributos no
último momento -ou seja,
quando são condenados pela Justiça. E isso demora anos.
Enquanto o devedor do fisco se
beneficia com a morosidade que
vai desde a Receita Federal, com o
processo de investigação administrativo, até a Justiça, com o
processo criminal, os cofres públicos perdem arrecadação.
Na Previdência Social, o prejuízo com o não-pagamento devido
da contribuição social soma
R$ 120 bilhões, segundo a última
lista de devedores, de dezembro
de 2004. Das 236,5 mil empresas
que estão na lista, 15.900 são responsáveis por 85% desse rombo.
No ano passado, a Receita constatou crime contra a ordem tributária em 4.221 fiscalizações, ou em
24% do total das realizadas no
país. As autuações de pessoas jurídicas somaram R$ 75,1 bilhões,
incluindo dívidas, multas e juros,
e de pessoas físicas, R$ 3,1 bilhões.
O empresário da construção civil que sonegou R$ 7 milhões pagou sua dívida em 2004, mas o dinheiro já deveria estar nos cofres
públicos desde 1995. O atraso no
pagamento foi de nove anos.
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