São Paulo, domingo, 03 de abril de 2005

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IMPUNIDADE

Ministério Público depende de "filtro" de auditores para abrir investigação

Apuração administrativa "engessa" punição criminal

DA REPORTAGEM LOCAL

Em 11 anos de trabalho, o Grupo de Atuação Especial de Repressão aos Crimes de Sonegação Fiscal (Gaesf), criado por promotores do Ministério Público Estadual de São Paulo, constatou que são raros os processos que resultam em condenação dos contribuintes que deixaram de recolher tributos estaduais, como o ICMS.
A situação se agravou neste ano no Estado de São Paulo com a lei complementar 970, do governo Alckmin, que proíbe o encaminhamento de documentos (indícios de provas de crime) ao Ministério Público antes de o processo administrativo ser concluído pela Secretaria da Fazenda do Estado.
O que já ocorria no âmbito federal se estendeu para o Estado de São Paulo. Desde 1996, a lei 9.430 determina que os indícios de crime constatados pela Receita Federal só podem ser enviados ao Ministério Público após encerrado o processo administrativo.
"Os crimes tributários cometidos por empresas nacionais e multinacionais de grande porte têm aumentado significativamente devido a essas leis, que também têm prejudicado as investigações da Polícia Federal e do Ministério Público", afirma Fernando Arruda, um dos fundadores do grupo e promotor especializado em crimes de sonegação fiscal. "A lei complementar criou mais direitos para os sonegadores", diz.
A sonegação e a fraude fiscal ocorrem com mais freqüência, segundo informa o Ministério Público, nos setores de combustíveis, cigarros, bebidas quentes, alimentos e supermercados.

Mais empecilhos
O grupo informa que ficou mais difícil punir os sonegadores especialmente após uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), de 2003, que desconsidera a existência de um crime tributário antes de esgotadas as investigações na esfera administrativa.
Desde a resolução do Supremo, cerca de 50 empresários com ações criminais já recorreram à Justiça de São Paulo para pedir a suspensão de processos. "Os juízes estão trancando os inquéritos para obedecer à ordem do STF. O nosso trabalho, portanto, está travado. Queremos que o Supremo reveja essa decisão", diz Arruda.
"É um absurdo. O STF decidiu que somente após esgotada a fase administrativa é que a Receita Federal pode comunicar ao Ministério Público e, a partir daí, fazer a denúncia à Justiça. O privilégio a interesses dos "grandes" foi chancelado pelo Supremo", afirma Douglas Fischer, procurador-regional da República dos Estados do Rio Grande do Sul, do Paraná e de Santa Catarina.
Na avaliação do procurador, o argumento de quem defende essas leis de que a função da Receita Federal é arrecadar -e não prender o contribuinte- é "falacioso". "Deputados foram procurados por empresários que estavam em dia com o fisco, mas ainda tinham de enfrentar ações criminais [como consta no Diário da Câmara dos Deputados, do dia 7 de novembro de 1995]. Essas leis vieram descaradamente para livrá-los desses processos. Não têm apenas objetivo arrecadatório."
O Ministério Público Federal de São Paulo tem a mesma queixa. "Dependemos da comunicação formal [representação fiscal para fins penais] da Receita para abrir inquérito, recolher provas, oferecer denúncia ou pedir arquivamento dos processos", diz o procurador Rodrigo de Grandis.

Prazo vencido
O Ministério Público Federal de SP informou que tem recebido documentos da Receita com indícios de crimes tributários referentes aos anos fiscais de 2000 e 2001. O problema é que os processos estão quase no prazo de prescrição (perda de validade de uma ação). "Isso dificulta o trabalho", diz.
A maior parte dessas representações para fins penais, segundo informa Grandis, está baseada no artigo 2º da lei 8.137, de 1990, que prevê penas mais brandas para os sonegadores -de seis meses a dois anos. "Como as representações se referem a quatro ou cinco anos atrás, o prazo da pena já está prescrito", afirma.
Grandis diz que as normas que tratam de crimes tributários, além de "amarrar" o trabalho do Ministério Público, na prática, concedem somente ao auditor fiscal o poder de determinar se há ou não um crime tributário. "Existe uma subversão de ordem e usurpação de direitos. Fica na mão do órgão administrativo dizer se existe um crime ou não", afirma.
Para os procuradores de São Paulo, a portaria 326, editada pela Receita em março, também cria empecilhos para a atuação do Ministério Público. "Essa portaria transfere de modo ilegal e inconstitucional ao juízo do auditor dizer se houve crime contra ordem tributária quando autua uma empresa. Mas a Constituição garante, em seu artigo 129, que cabe somente ao Ministério Público dizer o que é ou o que não é crime", diz Grandis. "Como a portaria também não indica critérios para o auditor dizer quando há crime, tudo fica na base do "achismo"."

Dificuldades financeiras
Advogados especializados em defender empresas acusadas de cometer crimes tributários informam que as dificuldades financeiras e a elevada carga tributária do país levam os empresários a suspender o pagamento de tributos. Não há intenção de cometer fraude ou de sonegar, informam.
A empresa tem de optar por recolher os impostos ou fechar as portas e demitir os empregados, segundo informa um escritório de São Paulo que atende cerca de 800 empresários acusados de crime tributário no país.
(FÁTIMA FERNANDES E CLAUDIA ROLLI)


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