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IMPUNIDADE
Ministério Público depende de "filtro" de auditores para abrir investigação
Apuração administrativa
"engessa" punição criminal
DA REPORTAGEM LOCAL
Em 11 anos de trabalho, o Grupo de Atuação Especial de Repressão aos Crimes de Sonegação
Fiscal (Gaesf), criado por promotores do Ministério Público Estadual de São Paulo, constatou que
são raros os processos que resultam em condenação dos contribuintes que deixaram de recolher
tributos estaduais, como o ICMS.
A situação se agravou neste ano
no Estado de São Paulo com a lei
complementar 970, do governo
Alckmin, que proíbe o encaminhamento de documentos (indícios de provas de crime) ao Ministério Público antes de o processo
administrativo ser concluído pela
Secretaria da Fazenda do Estado.
O que já ocorria no âmbito federal se estendeu para o Estado de
São Paulo. Desde 1996, a lei 9.430
determina que os indícios de crime constatados pela Receita Federal só podem ser enviados ao
Ministério Público após encerrado o processo administrativo.
"Os crimes tributários cometidos por empresas nacionais e
multinacionais de grande porte
têm aumentado significativamente devido a essas leis, que também
têm prejudicado as investigações
da Polícia Federal e do Ministério
Público", afirma Fernando Arruda, um dos fundadores do grupo e
promotor especializado em crimes de sonegação fiscal. "A lei
complementar criou mais direitos para os sonegadores", diz.
A sonegação e a fraude fiscal
ocorrem com mais freqüência, segundo informa o Ministério Público, nos setores de combustíveis, cigarros, bebidas quentes,
alimentos e supermercados.
Mais empecilhos
O grupo informa que ficou mais
difícil punir os sonegadores especialmente após uma decisão do
STF (Supremo Tribunal Federal),
de 2003, que desconsidera a existência de um crime tributário antes de esgotadas as investigações
na esfera administrativa.
Desde a resolução do Supremo,
cerca de 50 empresários com
ações criminais já recorreram à
Justiça de São Paulo para pedir a
suspensão de processos. "Os juízes estão trancando os inquéritos
para obedecer à ordem do STF. O
nosso trabalho, portanto, está travado. Queremos que o Supremo
reveja essa decisão", diz Arruda.
"É um absurdo. O STF decidiu
que somente após esgotada a fase
administrativa é que a Receita Federal pode comunicar ao Ministério Público e, a partir daí, fazer a
denúncia à Justiça. O privilégio a
interesses dos "grandes" foi chancelado pelo Supremo", afirma
Douglas Fischer, procurador-regional da República dos Estados
do Rio Grande do Sul, do Paraná e
de Santa Catarina.
Na avaliação do procurador, o
argumento de quem defende essas leis de que a função da Receita
Federal é arrecadar -e não prender o contribuinte- é "falacioso". "Deputados foram procurados por empresários que estavam
em dia com o fisco, mas ainda tinham de enfrentar ações criminais [como consta no Diário da
Câmara dos Deputados, do dia 7
de novembro de 1995]. Essas leis
vieram descaradamente para livrá-los desses processos. Não têm
apenas objetivo arrecadatório."
O Ministério Público Federal de
São Paulo tem a mesma queixa.
"Dependemos da comunicação
formal [representação fiscal para
fins penais] da Receita para abrir
inquérito, recolher provas, oferecer denúncia ou pedir arquivamento dos processos", diz o procurador Rodrigo de Grandis.
Prazo vencido
O Ministério Público Federal de
SP informou que tem recebido
documentos da Receita com indícios de crimes tributários referentes aos anos fiscais de 2000 e 2001.
O problema é que os processos estão quase no prazo de prescrição
(perda de validade de uma ação).
"Isso dificulta o trabalho", diz.
A maior parte dessas representações para fins penais, segundo
informa Grandis, está baseada no
artigo 2º da lei 8.137, de 1990, que
prevê penas mais brandas para os
sonegadores -de seis meses a
dois anos. "Como as representações se referem a quatro ou cinco
anos atrás, o prazo da pena já está
prescrito", afirma.
Grandis diz que as normas que
tratam de crimes tributários, além
de "amarrar" o trabalho do Ministério Público, na prática, concedem somente ao auditor fiscal o
poder de determinar se há ou não
um crime tributário. "Existe uma
subversão de ordem e usurpação
de direitos. Fica na mão do órgão
administrativo dizer se existe um
crime ou não", afirma.
Para os procuradores de São
Paulo, a portaria 326, editada pela
Receita em março, também cria
empecilhos para a atuação do Ministério Público. "Essa portaria
transfere de modo ilegal e inconstitucional ao juízo do auditor dizer se houve crime contra ordem
tributária quando autua uma empresa. Mas a Constituição garante, em seu artigo 129, que cabe somente ao Ministério Público dizer
o que é ou o que não é crime", diz
Grandis. "Como a portaria também não indica critérios para o
auditor dizer quando há crime,
tudo fica na base do "achismo"."
Dificuldades financeiras
Advogados especializados em
defender empresas acusadas de
cometer crimes tributários informam que as dificuldades financeiras e a elevada carga tributária
do país levam os empresários a
suspender o pagamento de tributos. Não há intenção de cometer
fraude ou de sonegar, informam.
A empresa tem de optar por recolher os impostos ou fechar as
portas e demitir os empregados,
segundo informa um escritório
de São Paulo que atende cerca de
800 empresários acusados de crime tributário no país.
(FÁTIMA FERNANDES E CLAUDIA ROLLI)
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