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VINICIUS TORRES FREIRE
Apagão da ordem e alguma história
Indisciplina e apagão aéreo também derivam da falta de projeto para os militares no Estado redemocratizado
MOTIM É mesmo um fato
muito grave. Contingentes
armados em revolta, em
especial aqueles que, antes de tudo,
têm a função de últimos garantidores da ordem, sob o comando dos
Poderes constitucionais, são a pior
ameaça à República: a da violência
pura. Não importa a origem da insubordinação: se de praças ou oficiais.
Isto posto, como lidar com a revolta dos sargentos do apagão aéreo?
Prisão em massa desde o início da
crise, com a paralisia total da aviação
civil (pois os sargentos especialistas
no controle de vôo detêm o monopólio dessa força de trabalho)? Talvez a administração hábil e competente da crise grave não demandasse
a alternativa radical e, em última
instância, praticamente inviável.
O governo Lula não teve competência política ou administrativa em
lidar com empresas aéreas, Infraero,
militares, nada. Mas não está nesse
caso específico a raiz do problema.
Dada a indefinição do papel das Forças Armadas na República, mesmo
na redemocratização, há muita
chance para azar e desordem.
Primeiro, militares não devem
prestar serviços de natureza civil,
excetuados casos de emergência ou
na educação e na pesquisa. A prestação de serviços "paisanos" introduz
nas Forças Armadas a possibilidade
de desordem tais como a da aviação.
Segundo, não chegou a haver a
normalização final do estatuto dos
militares no Estado redemocratizado. O ministro da Defesa é uma rainha da Inglaterra, para inglês ver.
No início do governo Lula, o ministro do Exército deu-se ao desplante
insubordinado de elogiar a ditadura.
Nada aconteceu. No Chile de tradição de quasifascismo militar, o oficial filho de Pinochet deu-se a gracinhas no enterro do pai. Foi posto para fora por Michele Bachelet.
Terceiro, não há programa que defina funções explícitas para as Forças Armadas. Exemplo? A tropa e o
comando se concentram em grandes cidades e entorno, fazendo formaturas e ordens unidas no vácuo.
Para que tantos batalhões no Vale
do Paraíba? Enquanto isso, a fronteira é a peneira rasgada por onde
passam desde vacas babando aftosa
a contrabandistas, traficantes de armas e mesmo terroristas vizinhos.
Sem tais definições, abre-se espaço para mais politização e crise nas
Forças Armadas, no comando ou na
base da tropa. Por ora, o Comando
da Aeronáutica tem agido de modo
ponderado. Mas sua atitude nas últimas horas começa a inquietar. Dada
a insubordinação impune dos praças, sugere que pode abandonar postos, tais como o do comando da aviação civil. Um militar sabe o que significa abandono de posto. Parece
pouca coisa, para civis. Assim como
parecia a associação informal dos
praças do controle de vôo.
Um pouco de história
Vários oficiais da Aeronáutica que
se entregaram a atos terroristas
chegaram a oficiais-generais. Por
exemplo, os líderes do motim de
Jacareacanga (1956), major Haroldo Veloso, e de Aragarças (1959),
tenente-coronel João Paulo Burnier, tornaram-se oficiais-generais, brigadeiros. Sequestraram
aviões, cidades, ameaçaram bombardear a sede do governo JK. Burnier, conhecido até na FAB como
"carrasco", de tão radical foi posto
para fora pelo ditador Médici.
vinit@uol.com.br
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