São Paulo, terça-feira, 03 de abril de 2007

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Agrofolha

Moinho acusa Argentina de dumping e pede compensação

Mudanças na taxação do trigo do país vizinho tiram competitividade brasileira

Processo será preparado por escritório especializado do Rio, quando deverá ser definida a melhor medida a ser adotada pelo Brasil


MAURO ZAFALON
DA REDAÇÃO

Na semana passada, representantes da indústria moageira de trigo do Brasil e da Argentina, assistidos por membros dos dois governos, reuniram-se mais uma vez em Buenos Aires.
O objetivo da reunião era determinar parâmetros de negociação no setor entre os dois países. Medidas recentes adotadas pelo governo argentino deram forte vantagem para os moinhos locais, tirando a competitividade dos brasileiros.
Mas, mais uma vez, o resultado da reunião mostrou grande dificuldade para chegar a um acordo com os argentinos. Diante disso, os moinhos brasileiros decidiram levar adiante um pedido de medidas compensatórias ou de antidumping contra a indústria argentina.
O processo começa a ser preparado por um escritório especializado do Rio de Janeiro, quando deverá ser definida a melhor medida a ser adotada.
A entrada do Brasil com uma medida antidumping ou compensatória deve ocorrer devido à inflexibilidade dos vizinhos.
Luiz Martins, presidente do Sindustrigo (reúne a indústria paulista do setor), diz que "não dá para fazer negócio com eles [argentinos]". Os brasileiros foram a Buenos Aires com uma proposta de definição de volumes e preços de referência para a entrada do produto no Brasil.
Em troca, receberam o aviso de que os argentinos não só não concordavam como tinham como meta para os próximos três anos abocanhar a fatia de crescimento do setor de trigo e derivados do país, previsto em 1,5% ao ano, afirma Martins.
O consumo brasileiro atual de farinha de trigo é de 7,35 milhões de toneladas por ano. Com isso, os argentinos querem colocar anualmente 110 mil toneladas de farinha no mercado interno brasileiro.
Martins diz que "os moinhos brasileiros não foram pedir favores, mas igualdade de condições na produção".

Questão antiga
Essa pendência entre Brasil e Argentina se acentuou com o aumento das exportações argentinas de mistura de farinha -produto que pagava apenas 5% de Imposto de Exportação, mas que, na maioria das vezes, era farinha de trigo disfarçada de mistura de farinha.
A fiscalização brasileira na fronteira fez com que as exportações diminuíssem. O governo argentino, no entanto, mudou a legislação -a farinha de trigo, que pagava 20% de Imposto de Exportação, passou a pagar 10%. Ou seja, houve incentivo às exportações argentinas de farinha de trigo ao Brasil.
O cenário atual é completamente desfavorável aos brasileiros e a tributação argentina sobre o trigo e a farinha de trigo tira os moinhos brasileiros da linha de produção.
A legislação argentina garante aos moinhos de lá trigo a US$ 120 por tonelada. Já os brasileiros pagam US$ 200, mais a taxa de exportação de 20%.
Com essa diferenciação de preços da matéria-prima, os moinhos argentinos, que têm apenas 10% de Imposto de Exportação na farinha, conseguem colocar o produto a US$ 350 em São Paulo. Os moinhos brasileiros não conseguem produzir a farinha por menos de US$ 500 por tonelada.
Em 2005, o Brasil comprou 4.271 toneladas de farinha da Argentina, volume que subiu para 109,88 mil em 2006. No primeiro bimestre deste ano foram 78,04 mil toneladas.
Christian Mattar Saigh, diretor do Sindustrigo, diz que o Brasil está conseguindo desenvolver um "verdadeiro PAC [Programa de Aceleração do Crescimento]), mas na Argentina". Os moinhos argentinos aumentam o ritmo de produção, contratam mais e o governo arrecada mais impostos.
Do lado de cá, no entanto, o estrago sobre a indústria é grande e a ociosidade no setor, que já é de 40%, deve aumentar ainda mais, avalia Saigh.
O diretor do Sinditrigo diz que os efeitos perversos dessa política argentina não vão afetar apenas a indústria, mas também a triticultura do Brasil.
Os 150 mil triticultores do Brasil, que hoje recebem R$ 400 por tonelada de trigo como preço mínimo, vão ter de baixar os custos e concorrer com os US$ 120 (R$ 250) pagos pelos moinhos argentinos.
Isso porque os moinhos brasileiros, sem capacidade de concorrência com os argentinos, vão virar meros revendedores de farinha argentina no país. Ou seja, vão deixar de comprar o trigo nacional.
Segundo um analista do setor, o governo brasileiro deveria ser mais ativo nessa questão. Afinal, enquanto o país cumpre à risca as determinações do acordo do Mercosul, não recebe a mesma reciprocidade dos argentinos.
Ele cita o exemplo do Chile, que, diante dos mesmos problemas enfrentados pelo Brasil, entrou com medida compensatória de 31% na OMC.
Ao contrário do Brasil, cuja legislação auxilia mais a exportação de matérias-primas do que de produtos com valor agregado, a Argentina quer industrializar os produtos internamente. Já faz isso, com a soja, com outros óleos vegetais e agora está incentivando a exportação de farinha de trigo, em detrimento do trigo.


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