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ARTIGO
Cúpula de egos
RUBENS RICUPERO
COLUNISTA DA FOLHA
A ÚLTIMA vez em que se
anunciou que nova ordem mundial estava
emergindo foi em dezembro de
1990, quando Bush pai pediu
emprestada a expressão a Gorbatchov. Ambos são hoje simpáticos aposentados, depois
que o primeiro fracassou na
reeleição e o último acabou destruindo o comunismo que pretendia restaurar.
Oxalá o precedente não traga
má sorte a Gordon Brown. Autêntico herói que não se poupou
para garantir o êxito da cúpula
do G20 poderá terminar como
Churchill, vencedor da guerra,
mas rejeitado pelos eleitores
britânicos. Lutando contra a
maré conservadora, Brown demonstrou que nem um escocês
austero, filho de pastor presbiteriano, consegue resistir à hipérbole quando se trata de exagerar o êxito de uma reunião
para impressionar o eleitorado.
Mas, se o encontro de Londres está longe de se comparar
ao nascimento da nova ordem
da ONU e do FMI, merece ser
visto como contribuição útil,
embora não espetacular, para
restabelecer a confiança. Retomando os três critérios que sugeri ontem nesta Folha, vou invertê-los da cabeça para baixo
por ordem de importância dos
resultados.
De longe a ação mais concreta e nova consistiu no aumento
dos recursos do FMI para US$
750 bilhões, mais que o Fundo
pedira, e a decisão de emitir
US$ 250 bilhões em Direitos
Especiais de Saque. Na mesma
linha destacam-se os US$ 250
bilhões para financiar o comércio. Nada disso é imediato; levará meses, talvez um ano, para
que esse dinheiro entre de fato
e comece a ser desembolsado.
Não obstante, não há dúvida de
que os países necessitados se
sentirão mais tranquilos. O
México não esperou para se
candidatar a US$ 47 bilhões da
Linha de Crédito Flexível.
No critério da regulamentação, a parte conceitual do comunicado vai na boa direção:
todos, entidades cinzentas como os fundos de hedge e instrumentos financeiros tóxicos,
serão disciplinados, e os padrões internacionais para evitar risco excessivo ou contágio
passarão por reforço. Mas os
americanos lograram resistir à
ideia de transnacionalizar as
regras. Os EUA gostam de globalização só quando se trata de
abrir fronteiras para as transnacionais, o capital e o comércio. Na hora de regular e fiscalizar, preferem a soberania.
O primeiro critério, o de
substanciais estímulos adicionais, pecou pela ausência. Figura apenas como veleidade de
fazer mais, caso necessário. Os
europeus e os que dependem
da demanda alheia para crescer
não se emocionaram.
Um sucesso de relações públicas, para não usar palavra
mais feia, foi convencer a imprensa de que era pertinente
fazer o êxito da cúpula depender de tema periférico, sem relação direta com as causas da
crise: os paraísos fiscais, preocupação dos fiscos alemão e
francês.
Aqui, como na questão da regulação, tudo dependerá da
qualidade e do rigor das regras
internacionais a serem definidas nos próximos meses. Afinal, antes da crise já existiam
os padrões de Basileia, que se
revelaram frouxos e complacentes. No caso do protecionismo e da conclusão da Rodada
Doha, ouvimos a mesma canção com letra um pouco modificada.
Quanto ao mais, Obama
saiu-se bem na modéstia de
pretender ter vindo para escutar, Brown teve sua "finest
hour" e todos os atores voltaram para casa convencidos de
que o sucesso se deveu a eles.
Que mais desejar de uma Cúpula de Egos?
RUBENS RICUPERO, 72, diretor da Faculdade de
Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad
e ministro da Fazenda (governo Itamar Franco).
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