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São Paulo, sábado, 03 de maio de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Fé cega nas reformas

GESNER OLIVEIRA

Da visita ao Congresso do presidente Lula com os governadores na quarta-feira às principais missas de celebração do Dia do Trabalho no 1º de Maio, o governo colocou todas as fichas na aprovação das reformas constitucionais dos sistemas previdenciário e tributário. O problema fica para a prestação de contas que o presidente Lula se propôs a fazer no Dia do Trabalho de 2004.
É fácil entender por que a agenda de reformas tende a gerar uma expectativa superior àquilo que se pode colher no médio prazo. Isso virou marca do governo Lula, mas já ocorreu, sob outras formas, nas administrações Collor e FHC.
Em primeiro lugar, o termo "reforma" é genérico o suficiente para abrigar diferentes posições, o que convém a governos que dependem de coalizões amplas para assegurar a governabilidade.
Em segundo lugar, a discussão das reformas supre um precioso tempo adicional para postergar pleitos imediatos. A melhoria das condições de vida, o aumento de salários e outras demandas sociais podem esperar, bem como aguardam ações urgentes e concretas em várias áreas da política pública. Nada é possível antes das reformas; tudo será possível depois delas.
Assim, independentemente do fato de as reformas serem necessárias por si mesmas, o movimento desencadeado pelas mudanças estruturais concede um tempo adicional ao governo.
Os perigos à frente são evidentes. Em primeiro lugar, porque o processo de discussão e aprovação das propostas de mudança constitucional será mais longo do que se imagina. Uma coisa é assumir compromissos genéricos com a proposta de um governo recém-eleito e com grande popularidade. Outra muito diferente é a barganha prolongada nas diversas instâncias de decisão do Congresso.
Em segundo lugar, mesmo no melhor cenário, com a aprovação das reformas previdenciária e tributária, os efeitos benéficos sobre a economia serão de médio e longo prazo. No entanto, a mobilização para a aprovação das reformas reforça a expectativa de que o impulso positivo sobre a economia será imediato.
É verdade que o mercado financeiro antecipa os efeitos benéficos de uma melhora nas contas públicas, fenômeno que repercute positivamente sobre o câmbio e o prêmio de risco. Porém tais indicadores não deflagram decisões de investimento de médio prazo que permitam dar sustentação a uma retomada do nível de atividade.
Sem uma taxa mínima de crescimento da economia, torna-se mais difícil manter o apoio ao próprio movimento de reformas. Isso gera insegurança quanto à continuidade da política econômica, inibindo as decisões de gastos dos investidores e dos consumidores e mantendo o país em uma armadilha de estagnação da renda per capita.
Tal dificuldade é agravada de duas maneiras. Em primeiro lugar, a instabilidade cambial suscita dúvidas quanto à rentabilidade esperada do setor exportador, inibindo inversões no segmento que no período recente tem mantido o nível de atividade em patamares mínimos.
Em segundo lugar, a indefinição quanto ao modelo que se pretende adotar nos setores de infra-estrutura e o bombardeio (agora atenuado) sobre as agências reguladoras paralisam a decisão de investimento nessas áreas.
Assim, daqui a 12 meses, quando o presidente Lula cumprir sua promessa de novamente prestar contas da política econômica durante as comemorações de 1º de Maio, a coalizão de apoio ao seu programa poderá ter se estreitado a despeito de prováveis avanços corajosos nas reformas. Isso porque a agenda proposta é correta, mas está incompleta para atender a tudo aquilo que dela se espera.


Gesner Oliveira, 46, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br


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