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OPINIÃO ECONÔMICA
Fé cega nas reformas
GESNER OLIVEIRA
Da visita ao Congresso do
presidente Lula com os governadores na quarta-feira às
principais missas de celebração
do Dia do Trabalho no 1º de Maio,
o governo colocou todas as fichas
na aprovação das reformas constitucionais dos sistemas previdenciário e tributário. O problema fica para a prestação de contas que
o presidente Lula se propôs a fazer no Dia do Trabalho de 2004.
É fácil entender por que a agenda de reformas tende a gerar uma
expectativa superior àquilo que se
pode colher no médio prazo. Isso
virou marca do governo Lula,
mas já ocorreu, sob outras formas, nas administrações Collor e
FHC.
Em primeiro lugar, o termo "reforma" é genérico o suficiente para abrigar diferentes posições, o
que convém a governos que dependem de coalizões amplas para
assegurar a governabilidade.
Em segundo lugar, a discussão
das reformas supre um precioso
tempo adicional para postergar
pleitos imediatos. A melhoria das
condições de vida, o aumento de
salários e outras demandas sociais podem esperar, bem como
aguardam ações urgentes e concretas em várias áreas da política
pública. Nada é possível antes das
reformas; tudo será possível depois delas.
Assim, independentemente do
fato de as reformas serem necessárias por si mesmas, o movimento desencadeado pelas mudanças
estruturais concede um tempo
adicional ao governo.
Os perigos à frente são evidentes. Em primeiro lugar, porque o
processo de discussão e aprovação das propostas de mudança
constitucional será mais longo do
que se imagina. Uma coisa é assumir compromissos genéricos
com a proposta de um governo
recém-eleito e com grande popularidade. Outra muito diferente é
a barganha prolongada nas diversas instâncias de decisão do Congresso.
Em segundo lugar, mesmo no
melhor cenário, com a aprovação
das reformas previdenciária e tributária, os efeitos benéficos sobre
a economia serão de médio e longo prazo. No entanto, a mobilização para a aprovação das reformas reforça a expectativa de que o
impulso positivo sobre a economia será imediato.
É verdade que o mercado financeiro antecipa os efeitos benéficos
de uma melhora nas contas públicas, fenômeno que repercute positivamente sobre o câmbio e o
prêmio de risco. Porém tais indicadores não deflagram decisões
de investimento de médio prazo
que permitam dar sustentação a
uma retomada do nível de atividade.
Sem uma taxa mínima de crescimento da economia, torna-se
mais difícil manter o apoio ao
próprio movimento de reformas.
Isso gera insegurança quanto à
continuidade da política econômica, inibindo as decisões de gastos dos investidores e dos consumidores e mantendo o país em
uma armadilha de estagnação da
renda per capita.
Tal dificuldade é agravada de
duas maneiras. Em primeiro lugar, a instabilidade cambial suscita dúvidas quanto à rentabilidade
esperada do setor exportador, inibindo inversões no segmento que
no período recente tem mantido
o nível de atividade em patamares
mínimos.
Em segundo lugar, a indefinição
quanto ao modelo que se pretende adotar nos setores de infra-estrutura e o bombardeio (agora
atenuado) sobre as agências reguladoras paralisam a decisão de investimento nessas áreas.
Assim, daqui a 12 meses, quando o presidente Lula cumprir sua
promessa de novamente prestar
contas da política econômica durante as comemorações de 1º de
Maio, a coalizão de apoio ao seu
programa poderá ter se estreitado
a despeito de prováveis avanços
corajosos nas reformas. Isso porque a agenda proposta é correta,
mas está incompleta para atender
a tudo aquilo que dela se espera.
Gesner Oliveira, 46, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia
(Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br
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