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OPINIÃO ECONÔMICA
O país virtual e o país real
PAUL SINGER
A recuperação da economia está
nas manchetes. Mas convém observar que, por enquanto, tudo o
que aconteceu foi uma inversão
das expectativas, uma melhora radical das projeções sobre o desempenho da economia brasileira neste ano. Após o derretimento do
real, em janeiro último, os analistas projetavam uma desvalorização selvagem da moeda, uma inflação grande, que obrigaria a autoridade monetária a manter a taxa de
juros nas nuvens; consequentemente, a recessão faria o PIB tombar uns 4% ou 5%.
De março para cá, as projeções
mudaram: a desvalorização do real
será tão moderada quanto quiser
nosso Banco Central; daí se segue
que a inflação será muito menor
do que se temia, de modo que o
Banco Central também readquiriu
certo poder de arbitrar a taxa de juros, que já está sendo diminuída
em ritmo encorajador.
Mas a economia real está longe
de ter sofrido uma inversão tão radical. O máximo que se pode dizer
é que, no primeiro trimestre de
1999, o nível de atividade parou de
declinar. O "crescimento" em relação ao quarto trimestre do ano anterior deve-se inteiramente à agricultura, cujos preços foram beneficiados pela desvalorização do real.
O Brasil real continua mergulhado
na recessão, e a única novidade é
que a recessão parou de se aprofundar. O retorno ao crescimento
é, por enquanto, uma perspectiva,
um brilho no olho interessado do
observador.
Uma das características da hegemonia financeira no capitalismo
de hoje é a pequena capacidade de
distinguir entre o país virtual das
projeções e o país real da produção, do consumo e do emprego. No
mundo das finanças, a visão do
que será domina e determina o que
é. O valor dos ativos -ações, títulos de dívida, contratos de opções
etc.- depende, a cada momento,
do que os especuladores pensam a
respeito do futuro. Esse jogo de
virtualidades está sendo inconscientemente confundido com o
que acontece no campo econômico e social.
Mas nem sempre o país virtual é
uma antecipação do país real. As
projeções pessimistas sobre o Brasil, no começo do ano, tinham por
pressuposto que os capitais externos continuariam boicotando o
país, como vinham fazendo desde
a moratória russa, em agosto de
1998. Mas, contrariando o que todos esperavam, esses capitais retornaram ao Brasil a partir de meados de março último e em quantidades crescentes, apesar dos sucessivos cortes de juros, que obviamente reduzem a lucratividade das
aplicações financeiras no país.
Graças a esse retorno, o real pode
ser revalorizado; consequentemente, a pressão inflacionária diminuiu, o que permitiu ao Banco
Central implementar meia dúzia
de cortes da taxa básica de juros
em dois meses. Isso nada teve a ver
com a política econômica do governo nem com uma pretendida
"solidez" da economia brasileira.
Nós não repetimos (por enquanto)
a regressão econômica ocorrida no
México, na Indonésia e na Rússia
apenas porque ao Brasil os capitais
globalizados voltaram mais cedo,
aliás muito mais cedo do que todos
esperavam.
A questão toda está na interpretação desse retorno imprevisto. Os
"fundamentalistas do mercado"
(como os chama Soros) insistem
em que os mercados são sempre
racionais e refletem os "fundamentos", que no caso do Brasil não
tiveram nenhuma melhoria entre a
primeira e a segunda quinzena de
março. Na realidade, os mercados
financeiros nunca foram mais irracionais do que nestes tempos de
crises internacionais intermitentes.
No ano passado, após a reeleição
do presidente, os governos do G-7,
o FMI, o Banco Mundial e o BID
juntaram forças para trazer os capitais globalizados de volta ao Brasil; nem mesmo um pacote de US$
41,5 bilhões surtiu efeito. A fuga de
capitais jamais cessou e em dezembro de 1998 tornou-se irresistível,
impondo a desvalorização do câmbio no início de janeiro. Dois meses depois, quando a fuga de capitais parecia a todos os analistas irreversível, ela mudou de rumo e
passou a jorrar para dentro do
país.
O país virtual das finanças globalizadas está sujeito a forças misteriosas, cujos humores sofrem mudanças imprevisíveis. Neste momento, a mudança nos é favorável
e uma onda de otimismo inunda o
país. Mas até quando? O que está
dentro de nossa competência de
nação soberana é manter ou não a
economia dependente de tais humores. Podemos livrar a economia
brasileira dessa dependência e lhe
dar rumos próprios, de acordo
com os interesses da maioria dos
que residem e trabalham no país.
Ou podemos continuar a crer nos
fundamentos do mercado, festejando os momentos em que, em
seus desígnios imperscrutáveis, ele
nos favorece.
Paul Singer, 64, economista, é professor titular
da Faculdade de Economia e Administração da
Universidade de São Paulo e pesquisador do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento). Foi secretário municipal do Planejamento de
São Paulo (gestão Luiza Erundina).
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