São Paulo, quarta-feira, 03 de outubro de 2001

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OPINIÃO ECONÔMICA

A taxa do medo

PAULO RABELLO DE CASTRO

Pode-se calcular, numa estimativa ainda bastante preliminar, em US$ 3 trilhões o recuo do valor de mercado das empresas, nas principais Bolsas mundiais, após o atentado de 11 de setembro. Desse total, os EUA participam com 50%, cerca de US$ 1,5 trilhão. Ficar mais pobre ou sentir-se mais pobre é parte do jogo da Bolsa. Contudo, quando esse ajuste se reveste de uma enorme frustração, corremos o risco de ver deflagrada uma avalanche de pessimismo dos principais consumidores e investidores mundiais.
Ocorre que o Brasil está bem no sopé da montanha de ativos que despenca.
Não podemos adocicar a visão do que ainda está por vir. O tremendo recuo do mercado de viagens internacionais, principalmente as de negócios, representa apenas a ponta do iceberg de decisões de investimentos congeladas, até que se dissipem as incertezas paralisantes propagadas pelo atentado terrorista.
Porém o que mais eleva a desconfiança é a percepção de extrema vulnerabilidade que todos estão sentindo nos países capitalistas centrais. Bem diferente da guerra clássica, em que a retaguarda civil fica longe das frentes de batalha, o terror instala a "guerra dentro de casa".
Com a exacerbação da desconfiança, cresceu imensamente a taxa de medo nos mercados. Essa taxa corresponde ao aumento do risco percebido, diminuindo a vontade de fazer novos negócios, principalmente nos mercados periféricos, ou de adquirir e manter papéis de dívida de países emergentes e empresas aí sediadas.
O financiamento do Brasil, daqui para a frente, ficará seriamente comprometido. Reflexo disso, a taxa de risco, que mede esse medo, se mantém em nível superior a 1.000 pontos de "spread" para os principais títulos da dívida brasileira. O medo ainda se eleva pelo risco de contágio com a periclitante situação da Argentina, pelos reflexos da diminuição dos negócios bilaterais. O espelho dessa situação é o câmbio no Brasil, nas últimas semanas.
O governo brasileiro reagiu, até agora, de modo convencional à explosão da taxa do medo. Fez recuar ainda mais a demanda no mercado interno, pelo aumento do recolhimento compulsório dos bancos. Aumentou a oferta de papéis cambiais para suprir a procura quase insaciável por proteção. Possibilitou o diferimento do impacto da desvalorização do real nos balanços das empresas endividadas em dólar, reconhecendo que o impacto desse avanço de cotação tem magnitude semelhante à maxidesvalorização ocorrida em 1999.
Devemos estar preparados para essa nova etapa extremamente difícil, ainda que ressalvando as janelas de oportunidade que a desvalorização acentuada do real confere ao setor produtivo que consegue exportar, apesar da crise mundial.
Contudo, a taxa do medo poderia ser amenizada se o governo conferisse à administração do país um ritmo de primeiro ano de mandato. Pode ser pedir demais, ao presidente e a sua equipe, que entram na reta final do seu oitavo ano de trabalho, isso se não quisermos computar os quase dois anos precedentes de atuação da equipe, na administração Itamar Franco. Mas, neste momento, não é demais cogitar desse empenho. O presidente Fernando Henrique Cardoso terá que relançar a visão do país para além do seu período, se pretende baixar a taxa do medo em relação à economia brasileira. Não por acaso, o presidente lançou, em recente entrevista a "O Globo" (24/09), um desafio aos pré-candidatos do campo governista, que "conversassem com o país", apresentando as diretrizes dos seus programas de trabalho para 2003.
A clara preocupação presidencial em estender a visão do país para além do curto horizonte eleitoral denota a análise correta -a nosso ver- da situação brasileira necessitando de novos elementos de confirmação de rumos, não só para os investidores externos como, principalmente, para nós mesmos, brasileiros.
Um desses novos elementos de confiança a longo prazo seria uma legislação conferindo autonomia operacional ao Banco Central, por meio de um estatuto próprio e mandatos fixos para sua diretoria. O real estaria mais protegido por meio de mandatos não-coincidentes com os do calendário político-eleitoral. A tese é interessante, mas a crise na Argentina, que resultou no afastamento do presidente do BC de lá, mostra que a fragilidade econômica pode destruir a "blindagem" da instituição monetária.
Talvez seja preciso ousar mais para obter o efeito de proteção desejado. É preciso cogitar de uma atualização da própria estrutura constitucional do país, emendada e reemendada, como tem sido ao longo dos seus 14 anos de vigência.
O presidente da República poderia propor uma emenda revisional, ampla ou restrita, aos capítulos mais obsoletos do texto constitucional, cujos poderes de revisão seriam conferidos ao Congresso Nacional a ser instalado em 2003. Nesse ano de 2003, a Constituição Federal fará 15 anos de vida, sendo de dez anos a distância desde a malograda revisão de 1993. Portanto, para um texto que padece de ser minucioso e detalhista, a sua obsolescência passa a ser flagrante diante das novas exigências de um mundo em processo de intensa transformação, bem como diante das realidades do Mercosul e da futura Alca.
Esse mundo, no qual o Brasil se insere, busca saber se nosso país está organizado para enfrentar os desafios da sua economia, combalida por dívida pública sufocante, demandas sociais estabelecidas por legislação e estrutura tributária desatualizada.
Se a resposta a essa questão é negativa, sobe a taxa do medo, que sufoca ainda mais as atividades produtivas por seus reflexos nos juros internos.
Por tudo isso, a perspectiva de uma rápida e eficiente atualização do texto constitucional, a ser referendada, no ano seguinte, pelo povo brasileiro, poderia representar a maneira mais abrangente e convincente de abrandar os efeitos negativos do medo instalado após o 11 de setembro.


Paulo Rabello de Castro, 52, doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do Instituto Atlântico (RJ). Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.



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