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OPINIÃO ECONÔMICA
A taxa do medo
PAULO RABELLO DE CASTRO
Pode-se calcular, numa estimativa ainda bastante preliminar, em US$ 3 trilhões o recuo
do valor de mercado das empresas, nas principais Bolsas mundiais, após o atentado de 11 de setembro. Desse total, os EUA participam com 50%, cerca de US$ 1,5
trilhão. Ficar mais pobre ou sentir-se mais pobre é parte do jogo
da Bolsa. Contudo, quando esse
ajuste se reveste de uma enorme
frustração, corremos o risco de ver
deflagrada uma avalanche de
pessimismo dos principais consumidores e investidores mundiais.
Ocorre que o Brasil está bem no
sopé da montanha de ativos que
despenca.
Não podemos adocicar a visão
do que ainda está por vir. O tremendo recuo do mercado de viagens internacionais, principalmente as de negócios, representa
apenas a ponta do iceberg de decisões de investimentos congeladas, até que se dissipem as incertezas paralisantes propagadas pelo atentado terrorista.
Porém o que mais eleva a desconfiança é a percepção de extrema vulnerabilidade que todos estão sentindo nos países capitalistas centrais. Bem diferente da
guerra clássica, em que a retaguarda civil fica longe das frentes
de batalha, o terror instala a
"guerra dentro de casa".
Com a exacerbação da desconfiança, cresceu imensamente a taxa de medo nos mercados. Essa
taxa corresponde ao aumento do
risco percebido, diminuindo a
vontade de fazer novos negócios,
principalmente nos mercados periféricos, ou de adquirir e manter
papéis de dívida de países emergentes e empresas aí sediadas.
O financiamento do Brasil, daqui para a frente, ficará seriamente comprometido. Reflexo
disso, a taxa de risco, que mede
esse medo, se mantém em nível
superior a 1.000 pontos de
"spread" para os principais títulos da dívida brasileira. O medo
ainda se eleva pelo risco de contágio com a periclitante situação da
Argentina, pelos reflexos da diminuição dos negócios bilaterais. O
espelho dessa situação é o câmbio
no Brasil, nas últimas semanas.
O governo brasileiro reagiu, até
agora, de modo convencional à
explosão da taxa do medo. Fez recuar ainda mais a demanda no
mercado interno, pelo aumento
do recolhimento compulsório dos
bancos. Aumentou a oferta de papéis cambiais para suprir a procura quase insaciável por proteção. Possibilitou o diferimento do
impacto da desvalorização do
real nos balanços das empresas
endividadas em dólar, reconhecendo que o impacto desse avanço de cotação tem magnitude semelhante à maxidesvalorização
ocorrida em 1999.
Devemos estar preparados para
essa nova etapa extremamente
difícil, ainda que ressalvando as
janelas de oportunidade que a
desvalorização acentuada do real
confere ao setor produtivo que
consegue exportar, apesar da crise mundial.
Contudo, a taxa do medo poderia ser amenizada se o governo
conferisse à administração do
país um ritmo de primeiro ano de
mandato. Pode ser pedir demais,
ao presidente e a sua equipe, que
entram na reta final do seu oitavo
ano de trabalho, isso se não quisermos computar os quase dois
anos precedentes de atuação da
equipe, na administração Itamar
Franco. Mas, neste momento, não
é demais cogitar desse empenho.
O presidente Fernando Henrique
Cardoso terá que relançar a visão
do país para além do seu período,
se pretende baixar a taxa do medo em relação à economia brasileira. Não por acaso, o presidente
lançou, em recente entrevista a
"O Globo" (24/09), um desafio aos
pré-candidatos do campo governista, que "conversassem com o
país", apresentando as diretrizes
dos seus programas de trabalho
para 2003.
A clara preocupação presidencial em estender a visão do país
para além do curto horizonte eleitoral denota a análise correta -a
nosso ver- da situação brasileira
necessitando de novos elementos
de confirmação de rumos, não só
para os investidores externos como, principalmente, para nós
mesmos, brasileiros.
Um desses novos elementos de
confiança a longo prazo seria
uma legislação conferindo autonomia operacional ao Banco
Central, por meio de um estatuto
próprio e mandatos fixos para
sua diretoria. O real estaria mais
protegido por meio de mandatos
não-coincidentes com os do calendário político-eleitoral. A tese
é interessante, mas a crise na Argentina, que resultou no afastamento do presidente do BC de lá,
mostra que a fragilidade econômica pode destruir a "blindagem" da instituição monetária.
Talvez seja preciso ousar mais
para obter o efeito de proteção desejado. É preciso cogitar de uma
atualização da própria estrutura
constitucional do país, emendada
e reemendada, como tem sido ao
longo dos seus 14 anos de vigência.
O presidente da República poderia propor uma emenda revisional, ampla ou restrita, aos capítulos mais obsoletos do texto
constitucional, cujos poderes de
revisão seriam conferidos ao Congresso Nacional a ser instalado
em 2003. Nesse ano de 2003, a
Constituição Federal fará 15 anos
de vida, sendo de dez anos a distância desde a malograda revisão
de 1993. Portanto, para um texto
que padece de ser minucioso e detalhista, a sua obsolescência passa a ser flagrante diante das novas exigências de um mundo em
processo de intensa transformação, bem como diante das realidades do Mercosul e da futura Alca.
Esse mundo, no qual o Brasil se
insere, busca saber se nosso país
está organizado para enfrentar os
desafios da sua economia, combalida por dívida pública sufocante, demandas sociais estabelecidas por legislação e estrutura
tributária desatualizada.
Se a resposta a essa questão é
negativa, sobe a taxa do medo,
que sufoca ainda mais as atividades produtivas por seus reflexos
nos juros internos.
Por tudo isso, a perspectiva de
uma rápida e eficiente atualização do texto constitucional, a ser
referendada, no ano seguinte, pelo povo brasileiro, poderia representar a maneira mais abrangente e convincente de abrandar os
efeitos negativos do medo instalado após o 11 de setembro.
Paulo Rabello de Castro, 52, doutor em
economia pela Universidade de Chicago
(EUA), é vice-presidente do Instituto
Atlântico (RJ). Escreve às quartas-feiras,
a cada 15 dias, nesta coluna.
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