São Paulo, sábado, 03 de novembro de 2007

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Lula obrigou Petrobras a ceder, indica documento

Estatal era contra assinatura de compromisso com a Aneel de priorizar gás para usinas

Em correspondência, presidente da empresa diz que seguiu "missão" dada por Lula, "apesar de possíveis questionamentos legais"

JANAINA LAGE
DA SUCURSAL DO RIO

Pressão direta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva obrigou a Petrobras a assinar termo de compromisso com a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) e ceder gás para as usinas termelétricas, indicam correspondências às quais a Folha teve acesso.
A necessidade de cumprir esse compromisso provocou nesta semana a redução de 17% no fornecimento de gás a distribuidoras estaduais do Rio e de São Paulo e provocou prejuízos a indústrias e a proprietários de veículos movidos a gás.
Carta enviada em 10 de maio pelo presidente da estatal, José Sérgio Gabrielli, para o então ministro de Minas e Energia Silas Rondeau mostra que a empresa agiu contrariada, atendendo a determinação do presidente. "Apesar de possíveis questionamentos sobre as obrigações legais e contratuais da empresa de garantir esta disponibilidade adicional de energia, a Petrobras está plenamente empenhada em cumprir os compromissos assumidos no termo, atendendo a missão atribuída pelo senhor presidente da República", afirma trecho da correspondência.
A decisão sobre a assinatura do termo foi tomada em reunião no dia 19 de abril com a presença do presidente Lula e da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff.
Segundo o relato de um dos participantes da reunião, a estatal assinou o documento sob a pressão do presidente Lula, que chegou a dizer que o presidente Fernando Henrique Cardoso teve o apagão porque foi mal informado por assessores e que estava presente ao encontro para evitar que a situação se repetisse.
Cumprindo regras da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), o ONS (Operador Nacional do Sistema) determinou a entrada das térmicas para poupar os reservatórios das hidrelétricas.
A Petrobras é a responsável por fornecer o gás necessário para a entrada em operação das térmicas. Com isso, decidiu limitar o volume de gás entregue às distribuidoras ao montante previsto em contrato e destinar o restante para a geração de energia.
Na correspondência, o governo já mostrava, em abril deste ano, preocupação com o abastecimento no período de 2008 a 2010.
Em carta a Gabrielli, o então ministro Silas Rondeau afirma que "o período compreendido entre 2008 e 2010 representa um grande desafio para as áreas de planejamento, operação e monitoramento energético, principalmente no âmbito do setor de energia elétrica".
O ex-ministro destaca que o país se tornará mais dependente da geração termelétrica para complementar a matriz energética e que a oferta de gás natural será "fundamental" para definir os parâmetros de atendimento à demanda.
As correspondências obtidas pela Folha -envolvendo a cúpula da Petrobras e dos ministérios da Casa Civil e Minas e Energia- mostram o processo que terminou com a substituição do então diretor da área de Gás e Energia da Petrobras, Ildo Sauer, por Graça Foster, apadrinhada da ministra Dilma Rousseff. A Folha não conseguiu ontem contato com a assessoria da Presidência, da Casa Civil e da Petrobras, em razão do feriado.
Em carta enviada a Rondeau no dia 29 de março, antes da assinatura do termo, no dia 4 de maio, Ildo Sauer afirmou que a Petrobras entendia que sua obrigação de fornecimento de gás ou de outro combustível restringia-se ao necessário para o atendimento de contratos firmes de gás para térmicas de terceiros e dos contratos de venda de energia.
O ex-diretor dizia que uma reserva de geração de cerca de 3 GW, sem contrato de venda de energia, significaria prejuízo anual de US$ 1,5 bilhão à Petrobras e de cerca de US$ 500 milhões para outros setores da economia. Sauer apontava que a sociedade seria penalizada porque voltaria a consumir combustíveis mais caros e de maior impacto ambiental.
A estatal sugeria a antecipação de usinas a óleo combustível e a construção de novas usinas remuneradas como reservas de geração. O imbróglio entre a estatal e a Aneel era um dos atritos entre Sauer e Rousseff, que é presidente do Conselho de Administração da Petrobras e conduziu a reformulação do novo modelo do setor.
No início de agosto, a Petrobras enviou carta ao diretor-geral da Aneel, Jerson Kelman, pedindo que eventuais divergências sobre o entendimento do termo não fossem divulgadas à imprensa porque poderiam "ocasionar danos à imagem da Petrobras".
A estatal, que não havia cumprido o termo que assinara com a Aneel, pediu que a data de aplicação de multas fosse postergada para o dia 1º de outubro e alegava que o motivo para o não cumprimento do termo era resultado de orientação da Presidência da República.


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