São Paulo, domingo, 04 de janeiro de 2004

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LUÍS NASSIF

Os incríveis Índios Tabajaras

Em 1962 o duo Índios Tabajaras vendeu 1,5 milhão de cópias de sua gravação do clássico mexicano "Maria Elena". Ficaram 14 semanas no topo da lista dos discos mais vendidos no país, outras 17 semanas na Inglaterra. O LP seguinte também ficou entre os dez mais vendidos nos Estados Unidos. Ao todo, gravaram 48 LPs, muitos dos quais disponíveis no site www.amazon.com.
Ambos são brasileiros, cearenses, nascidos em 1918 na Serra da Ibiapaba, no município de Tianguá, ao que consta membros de uma tribo Tabajara. Eles teriam nascido Muçaperê e Herundy, nomes que significam respectivamente "terceiro" e "quarto" de uma fileira de 34 filhos do cacique Ubajara. Teriam saído com a família em 1933, levados para a Serra do Cariri pelo tenente Hildebrando Moreira Lima, segundo o site www.nelsons.com.br, que tem a história mais detalhada da dupla.
Dali até 1936 foram três anos de caminhada até chegar ao Rio de Janeiro. A longa caminhada teria sido feita por 16 índios -os pais e 14 filhos. No transcorrer dela, teriam conhecido violeiros e cantadores. Atravessaram Pernambuco, Alagoas e Bahia. No meio do caminho, em uma feira do Nordeste, compraram uma velha viola e passaram a dedilhar sozinhos o instrumento. Mais tarde, trocaram a viola por uma cuia de feijão. Em Salvador (BA) teriam conseguido a proteção do governador, que lhes forneceu passagens para o Rio de Janeiro, onde chegaram no início de 1937, quase quatro anos depois.
No Rio, foram registrados como Antenor e Natalício Moreira Lima, sobrenomes do tenente protetor. Em 1945 se apresentaram pela primeira vez como Índios Tabajaras na rádio Cruzeiro do Sul e foram imediatamente contratados.
Aí começou a vida artística. Primeiro correram o Brasil. Em 1957 começaram carreira internacional pela Argentina, Venezuela e México. Passaram a aprimorar a técnica, a estudar teoria com professores diferentes. Natalício se especializou no solo e Antenor trabalhou a harmonia. Incluíram em seu repertório peças para violão de Bach, Falla, Albeniz e Villa-Lobos.
Finalmente seguiram para os Estados Unidos, com a imagem de índios sendo bem explorada pela RCA. Apresentavam-se de smoking para interpretar músicas eruditas, e de índios para tocar música popular.
Em 1960 retornaram ao Brasil, aqui ficaram por mais três anos para depois seguirem novamente para os Estados Unidos, onde estouraram pouco depois com "Maria Elena".
Deve existir muita lenda nessa história. O fato é que, ao longo dos anos, os Índios Tabajaras foram sendo esquecidos no universo musical brasileiro, especialmente na confraria do violão, e mais lembrados pelo seu lado folclórico. Contribuiu, em muito, o estilo estandardizado da dupla, tipo "violão-feito-para-dançar", em vigor na época, e também o repertório, fortemente calcado na música mexicana.
Folclore e estandardização à parte, uma pesquisa nesses sites oferece um quadro surpreendente da dupla. Em todas as faixas, mesmo nas mais óbvias, há uma técnica refinada, um estilo de tocar vigoroso, próprio da escola de João Pernambuco e Dilermando Reis -com todo respeito pelo mestre, aliás, diria que Natalício superou Dilermando.
Em algumas faixas especiais, percebe-se o fenômeno que foram, intérpretes de um patamar superior, ombreando-se com os maiores violonistas brasileiros de todos os tempos.
Suas interpretações de "Valsa Criola", do venezuelano Antonio Lauro, e de "Valsa em Dó Sustenido Menor", de Chopin, mereciam ser ouvidas por todos os jovens violonistas cultivadores da rapidez suja. "Moonlight Serenade" fica à altura das melhores interpretações do grande Oscar Aleman, que se especializou nela.
Deixaram seguidores de peso. O guitarrista Carlos Santana os menciona como sua lembrança musical mais antiga. O violonista Chet Atkins, falecido em 2001, era fã da dupla e gravou um álbum com eles e com o pianista Floyd Cramer, em Nashville (EUA).
Pela última informação que tive, ambos estão vivos e gozando de boa saúde. Merecem ser devidamente entronizados no universo dos maiores violonistas brasileiros de todos os tempos.


E-mail - Luisnassif@uol.com.br


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