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ANÁLISE
Corte de juros pode ser droga para uma economia viciada
DO "FINANCIAL TIMES"
Confiança é essencial. Fatos e números são secundários. Essa crença parece ter tomado os mercados financeiros
dos EUA, e é capaz de se transformar em profecia auto-realizada.
A confiança dos mercados de
capitais se baseia em duas premissas. Primeiro, a de que a política
econômica é capaz de resolver as
presentes dificuldades. Isso pode
ser verdade. Segundo, a de que assim que a economia dos EUA se
recuperar, ela será capaz de se
manter crescendo, como aconteceu nos dez anos passados. Isso
não é verdade.
O sucesso de curto prazo em
evitar uma recessão só poderá ser
atingido por meio de desequilíbrios de longo prazo que não haverá como sustentar.
Os mercados de bônus do governo dos EUA se recuperaram
no final do ano passado, devido à
expectativa de cortes de juros. O
índice Russell 3000 -uma medida ampla dos títulos de capital
norte-americanos- subiu 5,4%
em janeiro, e o índice composto
da Nasdaq aumentou 18%.
Mas essa confiança existe apenas nos mercados. Não é compartilhada pelas famílias ou pelas empresas dos Estados Unidos. Na
quinta-feira, a Associação Nacional dos Executivos de Compras
divulgou sua pesquisa sobre a indústria norte-americana, com
queda para um dos pontos mais
baixos dos últimos dez anos.
Os números da terça-feira sobre
a confiança dos consumidores
chegaram ao seu ponto mais baixo em quatro anos. Os números
da economia e os resultados das
empresas foram no geral desfavoráveis. O PIB (Produto Interno
Bruto) real anualizado cresceu
apenas 1,4%, arrastado para baixo
pela queda no investimento privado e nos gastos dos consumidores em bens duráveis.
A brecha entre o sentimento do
mercado e os números da economia vem sendo transposta, como
se tornou comum nos últimos dez
anos, pela confiança em Alan
Greenspan, o presidente do Federal Reserve (Fed, o BC dos EUA).
Poderes do Fed
O nível do mercado reflete um
consenso de que o Fed pode resolver e resolverá as dificuldades. O
corte de um ponto percentual nos
juros em janeiro é só o começo.
Com inflação baixa, não há restrição aos poderes do Fed de relaxar
a política monetária e fazer com
que a economia volte a crescer.
A recuperação do mercado,
portanto, se baseia na lógica de
que embora a queda nos EUA
possa ser abrupta, ela será curta.
Os números da economia, mesmo os que se referem à confiança
entre as empresas e entre os investidores, são portanto indicadores
retrospectivos. Agora que o Fed
está cortando os juros, as perspectivas para o futuro são brilhantes.
Uma variedade de argumentos
sustenta a confiança do mercado
no poder da política monetária
para cuidar da sintonia fina do sucesso econômico dos EUA.
Truques de confiança
O primeiro deles se refere ao
efeito psicológico do corte de juros. Eles têm por objetivo estimular a economia, domicílios e empresas acreditam em seus efeitos,
a confiança é rapidamente restaurada, e as perspectivas econômicas rapidamente se abrilhantam.
Em segundo lugar, vem os efeitos tradicionais de uma política
monetária mais frouxa, que estimula os gastos em relação à poupança. Em terceiro, temos o poderoso e rápido efeito sobre a liquidez corporativa: as taxas de juros
mais baixas aliviam as preocupações quanto ao fluxo de caixa.
Em quarto lugar, os ganhos nas
ações e a valorização dos bônus
aumentam a riqueza recém-adquirida pelos domicílios norte-americanos, o que estimula os
gastos. Em quinto, vem o presidente George W. Bush e seu plano
de corte de impostos, que elevará
os gastos dos consumidores.
E em sexto, o rápido crescimento da produtividade dos Estados
Unidos, que sustentará o crescimento econômico e dará ao Fed o
escopo de que precisa para cortes
mais rápidos dos juros.
Sob essas circunstâncias, a recente recuperação nos mercados
pode ser justificada. E se o Fed
continuar com sua "resposta rápida e vigorosa de política monetária" em apoio ao crescimento, os
mercados de bônus parecerão
subvalorizados.
Aterrissagem feliz
Mas esse desfecho feliz deixa de
lado um ponto crucial. Um cenário desse tipo não representaria a
"aterrissagem suave" de que os
Estados Unidos precisam. Como
destaca a mais recente pesquisa
do Goldman Sachs, "o déficit financeiro do setor privado, sob
nossas projeções, continuará a ser
de cerca de 6% do PIB ao longo
dos próximos dois anos.
Além disso, o déficit em conta
corrente poderá permanecer em
torno dos 4,5% do PIB". O percurso insustentável que a economia norte-americana vem realizando, a longo prazo, não seria alterado. Os perigos de um período
sustentado subsequente de crescimento econômico baixo ou negativo não seriam dissipados.
Déficit menor
Uma interpretação alternativa
dos acontecimentos recentes nos
Estados Unidos é a de que o déficit financeiro do setor privado já
começa a se reduzir. A queda na
confiança das empresas e consumidores e a queda nos investimentos e na compra de bens de
consumo duráveis representariam, portanto, uma indicação
prévia de que poderosas forças de
contração entrarão em ação.
Uma política monetária frouxa
não seria capaz de mitigar essas
forças com facilidade. A confiança e os gastos continuariam a cair,
os lucros e as avaliações das ações
sofreriam, os cortes de impostos
chegariam tarde demais para ajudar e os efeitos poderosos e tradicionais de um relaxamento monetário rápido demorariam a se
fazer sentir, como de costume.
O ponto positivo nesse cenário
sombrio seriam os bônus do governo. O Goldman Sachs prevê
que os juros cairão a 3%, muito
mais do que os mercados futuros
esperam, e isso elevará os preços
dos bônus do Tesouro dos EUA.
Tradução de Paulo Migliacci
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