São Paulo, domingo, 04 de fevereiro de 2001

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ANÁLISE

Corte de juros pode ser droga para uma economia viciada

DO "FINANCIAL TIMES"

Confiança é essencial. Fatos e números são secundários. Essa crença parece ter tomado os mercados financeiros dos EUA, e é capaz de se transformar em profecia auto-realizada.
A confiança dos mercados de capitais se baseia em duas premissas. Primeiro, a de que a política econômica é capaz de resolver as presentes dificuldades. Isso pode ser verdade. Segundo, a de que assim que a economia dos EUA se recuperar, ela será capaz de se manter crescendo, como aconteceu nos dez anos passados. Isso não é verdade.
O sucesso de curto prazo em evitar uma recessão só poderá ser atingido por meio de desequilíbrios de longo prazo que não haverá como sustentar.
Os mercados de bônus do governo dos EUA se recuperaram no final do ano passado, devido à expectativa de cortes de juros. O índice Russell 3000 -uma medida ampla dos títulos de capital norte-americanos- subiu 5,4% em janeiro, e o índice composto da Nasdaq aumentou 18%.
Mas essa confiança existe apenas nos mercados. Não é compartilhada pelas famílias ou pelas empresas dos Estados Unidos. Na quinta-feira, a Associação Nacional dos Executivos de Compras divulgou sua pesquisa sobre a indústria norte-americana, com queda para um dos pontos mais baixos dos últimos dez anos.
Os números da terça-feira sobre a confiança dos consumidores chegaram ao seu ponto mais baixo em quatro anos. Os números da economia e os resultados das empresas foram no geral desfavoráveis. O PIB (Produto Interno Bruto) real anualizado cresceu apenas 1,4%, arrastado para baixo pela queda no investimento privado e nos gastos dos consumidores em bens duráveis.
A brecha entre o sentimento do mercado e os números da economia vem sendo transposta, como se tornou comum nos últimos dez anos, pela confiança em Alan Greenspan, o presidente do Federal Reserve (Fed, o BC dos EUA).

Poderes do Fed
O nível do mercado reflete um consenso de que o Fed pode resolver e resolverá as dificuldades. O corte de um ponto percentual nos juros em janeiro é só o começo. Com inflação baixa, não há restrição aos poderes do Fed de relaxar a política monetária e fazer com que a economia volte a crescer.
A recuperação do mercado, portanto, se baseia na lógica de que embora a queda nos EUA possa ser abrupta, ela será curta. Os números da economia, mesmo os que se referem à confiança entre as empresas e entre os investidores, são portanto indicadores retrospectivos. Agora que o Fed está cortando os juros, as perspectivas para o futuro são brilhantes.
Uma variedade de argumentos sustenta a confiança do mercado no poder da política monetária para cuidar da sintonia fina do sucesso econômico dos EUA.

Truques de confiança
O primeiro deles se refere ao efeito psicológico do corte de juros. Eles têm por objetivo estimular a economia, domicílios e empresas acreditam em seus efeitos, a confiança é rapidamente restaurada, e as perspectivas econômicas rapidamente se abrilhantam.
Em segundo lugar, vem os efeitos tradicionais de uma política monetária mais frouxa, que estimula os gastos em relação à poupança. Em terceiro, temos o poderoso e rápido efeito sobre a liquidez corporativa: as taxas de juros mais baixas aliviam as preocupações quanto ao fluxo de caixa.
Em quarto lugar, os ganhos nas ações e a valorização dos bônus aumentam a riqueza recém-adquirida pelos domicílios norte-americanos, o que estimula os gastos. Em quinto, vem o presidente George W. Bush e seu plano de corte de impostos, que elevará os gastos dos consumidores.
E em sexto, o rápido crescimento da produtividade dos Estados Unidos, que sustentará o crescimento econômico e dará ao Fed o escopo de que precisa para cortes mais rápidos dos juros.
Sob essas circunstâncias, a recente recuperação nos mercados pode ser justificada. E se o Fed continuar com sua "resposta rápida e vigorosa de política monetária" em apoio ao crescimento, os mercados de bônus parecerão subvalorizados.

Aterrissagem feliz
Mas esse desfecho feliz deixa de lado um ponto crucial. Um cenário desse tipo não representaria a "aterrissagem suave" de que os Estados Unidos precisam. Como destaca a mais recente pesquisa do Goldman Sachs, "o déficit financeiro do setor privado, sob nossas projeções, continuará a ser de cerca de 6% do PIB ao longo dos próximos dois anos.
Além disso, o déficit em conta corrente poderá permanecer em torno dos 4,5% do PIB". O percurso insustentável que a economia norte-americana vem realizando, a longo prazo, não seria alterado. Os perigos de um período sustentado subsequente de crescimento econômico baixo ou negativo não seriam dissipados.

Déficit menor
Uma interpretação alternativa dos acontecimentos recentes nos Estados Unidos é a de que o déficit financeiro do setor privado já começa a se reduzir. A queda na confiança das empresas e consumidores e a queda nos investimentos e na compra de bens de consumo duráveis representariam, portanto, uma indicação prévia de que poderosas forças de contração entrarão em ação.
Uma política monetária frouxa não seria capaz de mitigar essas forças com facilidade. A confiança e os gastos continuariam a cair, os lucros e as avaliações das ações sofreriam, os cortes de impostos chegariam tarde demais para ajudar e os efeitos poderosos e tradicionais de um relaxamento monetário rápido demorariam a se fazer sentir, como de costume.
O ponto positivo nesse cenário sombrio seriam os bônus do governo. O Goldman Sachs prevê que os juros cairão a 3%, muito mais do que os mercados futuros esperam, e isso elevará os preços dos bônus do Tesouro dos EUA.


Tradução de Paulo Migliacci



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