São Paulo, Domingo, 04 de Abril de 1999
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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS

Europeu e asiático pode redesenhar o século 21

GILSON SCHWARTZ
Da Equipe de Articulistas

A longa luta por supremacia mundial no século 20 ainda não acabou e, nos últimos anos, assume a cada momento novas faces.
Primeiro se disse que o século 21 seria asiático. Veio depois uma fase de reafirmação do poderio norte-americano.
Agora, com a gradual superação da crise financeira asiática e o lançamento do euro, desenha-se uma "terceira via", "eurasiana", que lembra clássicos da ficção política (como "1984", de George Orwell).
Há inúmeros exemplos recentes de posicionamento europeu não apenas divergente ou mesmo conflitante com os Estados Unidos, mas de aproximação com a Ásia.
Agora mesmo, o governo Clinton tenta organizar a entrada dos chineses na OMC (Organização Mundial do Comércio). Na semana passada, foi divulgada a disposição da UE (União Européia) a negociar com a China em separado.
A OMC é palco de outra disputa entre Estados Unidos e a União Européia. Os europeus estão apoiando a condução do ministro tailandês das relações exteriores, Supachai Panitchpakdi, à chefia do organismo multilateral.
Os Estados Unidos defendem o ex-primeiro ministro da Nova Zelândia, Michael Moore.
Na semana passada ocorreu um importante encontro, em Berlim, entre ministros de relações exteriores da União Européia e da Ásia. O atual ministro tailandês, Sukhumband Paribatr, disse que seu país está atento para saber se os Estados Unidos "vão agredir nossos sentimentos pela segunda vez". A primeira vez foi durante a crise financeira de 1997.
Um dos aspectos decisivos na aproximação entre europeus e asiáticos é de natureza política. Há entre os políticos das duas regiões uma visão bem distinta da norte-americana sobre a questão dos direitos humanos.
Na prática, os europeus lançaram a sua nova moeda num momento em que os asiáticos precisam urgentemente de suprimentos financeiros vitais. Ampliar as linhas de crédito em euro pode ser uma das formas para minar, nos próximos anos, a supremacia do dólar como referência global.
Alguns negócios são emblemáticos. Há uma semana foi anunciada uma parceria global entre a Renault (francesa) e a Nissan (japonesa), criando o quarto maior grupo global no setor automobilístico (depois de General Motors, Ford e Toyota).
O debate sobre os rumos da supremacia norte-americana está sendo retomado. A expansão da Otan e as ações militares unilaterais certamente animam as reações ao mundo "unipolar" (termo contraditório, pois um pólo é, por definição, um aspecto ou face que se contrapõe a outra).
Na França o antiamericanismo já tem uma forte tradição e está ganhando novas contribuições com livros recentes tais como "Le XXIe siècle ne sera pas américain" (O Século 21 não será americano), de Pierre Biarnès (Editions du Rocher, Paris, 1998).
Talvez seja óbvio, mas os candidatos a contrapeso na visão de Biarnès são a UE, a China, a Rússia, a Índia e o Japão. Ou seja, basicamente a região correspondente à eurásia orwelliana.
Há também evidências mais localizadas, mas nem por isso menos relevantes. Nos últimos meses, por exemplo, houve reuniões estratégicas entre militares iraquianos e iugoslavos, com o objetivo de trocar experiências sobre tecnologias de resistência a bombardeios aéreos. Nos dois casos os russos estão presentes.
O fato é que, militarmente, os EUA estão ocupados com duas frentes, bombardeando o Iraque e a Iugoslávia. Uma terceira frente de conflito bélico, asiática, é hoje improvável. Mas isso não impede que esta seja, nos próximos anos, a mais importante frente de conflito econômico.


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