|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Ao mestre com carinho
ALOIZIO MERCADANTE
Nesta semana o Brasil perdeu uma de suas mais expressivas figuras no campo da
educação, Paulo Freire.
Quem, como eu, teve a oportunidade de compartilhar com
ele a militância partidária, a
campanha presidencial de 89
e 94 e a docência na PUC-SP
por mais de uma década,
quando ele voltou do exílio
como um educador de imenso
prestígio internacional, sabe
que em suas mais simples atitudes estava sempre presente o
mestre, que tinha sempre alguma coisa a ensinar.
Paulo Freire era um educador desde as mais simples atitudes. O Paulo Freire dos auditórios lotados, das palestras
na periferia ou em simpósios
internacionais era sempre o
mesmo poeta das palavras e
educador da liberdade.
Paulo Freire, como ninguém,
nos ensinou que a educação é
valor fundamental, base para
o desenvolvimento sustentável
e humanizado. Com ele
aprendemos a valorizar o saber acumulado pelos trabalhadores mais simples e que o
processo educativo não deve
ser só formal, mas também
meio para formar homens
conscientes de sua cidadania e
de suas responsabilidades para transformar a sociedade.
A educação nas escolas deve
incorporar valores como solidariedade, fraternidade, respeito a crenças e raças, ao
meio ambiente e aos direitos
humanos que este capitalismo
selvagem rejeita.
Paulo Freire gostava de dizer que os políticos brasileiros
são eleitos pregando um papel
de destaque à educação, que
nenhum presidente ou governador do Brasil conseguiu se
eleger com um discurso do tipo "no meu governo a educação não será uma prioridade". E que a educação nunca
descia do palanque para entrar no governo. A educação
ficava sempre para depois de
um viaduto ou de um plano de
estabilização. Foi assim que,
ao longo de nossa história, essa elite irresponsável se reproduziu no poder, negando o conhecimento ao nosso povo.
Salvo honrosas exceções,
Paulo Freire tinha toda razão.
No Brasil a educação ainda é
vista pelo Estado como gasto e
não como investimento. É incrível que o mesmo país que
acaba de perder um dos maiores educadores do século tenha um dos piores índices de
escolaridade do mundo.
Os dados da tabela revelam
um país pouco preocupado
com a educação de seu povo.
No Brasil, o número médio de
anos de estudo é de 3 anos e 9
meses, só superior ao do Haiti,
que, todavia, apresenta renda
per capita cinco vezes menor.
No Mercosul, a Argentina
possui um número médio de
anos de estudo de 8 anos e 7
meses, mais do que o dobro da
verificada entre os brasileiros.
Quando comparamos países
com renda per capita parecida
com a do Brasil, entre US$ 4
mi e US$ 5 mil, podemos constatar uma triste realidade. O
Brasil é campeão em analfabetismo, que atinge 19% da
população, e no percentual da
população adulta sem nenhuma instrução (32,9%).
Quando confrontamos os
dados do Brasil com os demais
países da América do Sul podemos verificar que possuímos
o menor percentual de pessoas
adultas com o primeiro grau
completo, apenas 4,9%, quando na Argentina é de 34,6%,
no Uruguai 29,6%, no Peru
17,4%, e no Paraguai, 15,4%.
A sociedade do futuro é uma
sociedade do conhecimento e
do saber. Excluir grande parte
da população das escolas e da
educação significa alijar uma
imensa massa de trabalhadores dos novos processos produtivos e condená-los à "inempregabilidade".
O caminho para o desenvolvimento sustentável com a
construção da cidadania para
os excluídos exige uma revolução na educação, a universalização com escola de qualidade. Porém, o Brasil cortou verbas para a educação no orçamento de 1996 e o governo
pretende reencaminhar o
Fundo de Estabilização Fiscal,
que insiste em desrespeitar a
exigência constitucional de
vincular verbas orçamentárias
para a educação.
Perder Paulo Freire e Darci
Ribeiro significa deixar de
conviver com intelectuais que
jamais abdicaram do compromisso com os destinos do Brasil e do seu povo. Homens que
estiveram na vida pública sem
jamais abandonar a sala de
aula, e que sempre olharam
para muito além de seu tempo, mostrando para a minha
geração e para os que virão
que socializar o saber e a cultura é a dimensão mais estratégia para construirmos um
Brasil próspero e justo.
Mestre Paulo Freire, lá de
cima você ainda verá realizada essa obra que foi a razão de
ser de sua bela existência entre nós. Enquanto isso, nos
quadros negros que resistem à
degradação da escola pública,
haverá uma legião de anônimos professores educando para a liberdade!
Aloizio Mercadante, 42, economista, é
professor de economia da PUC-SP e da Unicamp. Foi deputado federal pelo PT-SP e
candidato a vice-presidente da República
na chapa com Lula. É membro da Executiva
Nacional do PT.
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|