São Paulo, segunda, 4 de maio de 1998

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ARTIGO
Os petroleiros e a defesa da ética

ANTONIO CARLOS SPIS


No dia 3 de maio de 1995, atendendo a uma orientação da CUT destinada a várias categorias que ainda não haviam fechado seus acordos com as empresas estatais, os petroleiros iniciaram uma greve que, durante 32 dias, monopolizou as atenções do país.
Os petroleiros reivindicavam do governo Fernando Henrique Cardoso o cumprimento dos acordos assinados com o governo Itamar Franco, em 5 de outubro de 1994, e com o presidente da Petrobrás, em 24 de novembro do mesmo ano, prevendo negociação das perdas salariais e reajuste entre 12% e 18%, entre outras coisas.
O que se viu nesse período na mídia brasileira foi uma verdadeira tempestade de "informações", buscando jogar a opinião pública contra uma greve legítima, que tinha por objetivo o restabelecimento da credibilidade nas relações entre agentes políticos firmadores desse acordo, envolvendo o governo federal e a Federação Única dos Petroleiros.
A partir do 20º dia de greve, o governo começou a responsabilizar os sindicalistas pelo suposto desabastecimento do mercado de produtos derivados do petróleo, principalmente o GLP (gás de cozinha).
Em relação a essa questão, é importante ressaltar pelo menos quatro aspectos:
a) a Prefeitura Municipal de Santos desenvolveu ações de fiscalização nas distribuidoras privadas, constatando que estas estavam estocando GLP, criando constrangimento nos cidadãos que se amontoavam nas filas em busca desse produto;
b) apesar das longas filas, todas as pessoas que se dirigiam aos postos de venda, às vezes perdendo o dia de trabalho, conseguiam o produto pagando ágio, o que prova a inexistência do desabastecimento;
c) logo após o término da greve, as distribuidoras obtiveram um significativo aumento no preço do GLP, e o mercado imediatamente voltou à normalidade, mostrando que a população havia sido submetida a extremos sacrifícios em função de interesses mesquinhos;
d) em novembro de 95, o TCU concluiu que a remessa de derivados de petróleo das refinarias da Petrobrás para as distribuidoras privadas só foi diminuída em 16,5%, o que não caracterizaria o desabastecimento do mercado, e que a responsabilidade deveria ser imputada às distribuidoras.
Acusados de provocar o desabastecimento do mercado e pelas longas filas formadas nos pontos-de-venda de gás de cozinha, os trabalhadores em greve continuaram a ser vitimados por ações do governo e dos meios de comunicação, caracterizados pela mentira e pelo cinismo, bem como pela intolerância em relação à utilização de um instrumento de luta legítimo em qualquer democracia.
Hoje, depois de três anos, os petroleiros e suas representações sindicais ainda são vítimas dessa trama. Em função da decretação da "abusividade" da greve, baseada principalmente na alegada responsabilidade pelo desabastecimento do mercado, foi aplicada uma multa de R$ 2,1 milhões para cada um dos 20 sindicatos da categoria envolvidos na greve, além da própria federação, processo que ainda corre na Justiça brasileira.
A Justiça também orientou o bloqueio dos bens dessas entidades. Baseada na definição da "abusividade" do movimento, a Petrobrás demitiu e afastou 73 trabalhadores, entre eles alguns dirigentes sindicais.
No entanto, o que foi tão evidente durante a greve, mas ainda não havia sido assumido publicamente, veio à tona por esses dias. Na Folha de 12 de abril (Painel S/A, pág. 2-2), consta a informação de que José Lima de Andrade Neto, superintendente de recursos humanos da Petrobrás, em entrevista ao "Jornal do DCE" da USP, afirmou que o desabastecimento de combustíveis durante a greve dos petroleiros foi provocado por sonegação das distribuidoras, mas que não era do interesse da empresa acioná-las.
Essa afirmação desmascara a grande farsa existente na época entre o Executivo, as distribuidoras privadas de gás de cozinha e grande parte da mídia, com o claro objetivo de criar obstáculos ao acesso da população em geral a um produto essencial, jogando a opinião pública contra os trabalhadores em greve.
Recentemente, em uma aula inaugural na UnB, o presidente discorreu sobre a especificidade da ética política. Será que faz parte dessa concepção de ética ter uma postura tão intransigente perante uma categoria, a ponto de desrespeitar os princípios básicos da democracia? A sociedade merece uma satisfação.


Antonio Carlos Spis, 47, é membro da Executiva da CUT (Central Única dos Trabalhadores) e coordenador da Federação Única dos Petroleiros.



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