São Paulo, terça-feira, 04 de julho de 2000


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OPINIÃO ECONÔMICA

O fim do romântico liberalismo

BENJAMIN STEINBRUCH

Novas estatísticas divulgadas na Europa reforçam a convicção de que são falsas e românticas certas idéias difundidas no âmbito de uma espécie de sabedoria convencional destes anos de globalização e abertura.
Dois economistas, um inglês, Lionel Hubbard, e outro australiano, Brent Borrel, acabam de divulgar um estudo mostrando que a política de subsídios da União Européia à agricultura custa ao mundo cerca de US$ 75 bilhões por ano.
A informação de que a Europa subsidia pesadamente sua ineficiente produção agrícola já é há muito conhecida. Não se sabia, porém, que a dimensão dos custos dessa política alcançava um valor tão gigantesco, equivalente a mais de 10% do PIB brasileiro.
Para o Brasil, assim como para os demais países produtores agrícolas, a manutenção desses subsídios representa perdas de bilhões de dólares em divisas por ano.
Se eles fossem eliminados, haveria benefícios imediatos para nossas exportações agrícolas. Só com o aumento das vendas de açúcar, segundo o estudo dos dois economistas, o Brasil teria um ganho anual de US$ 1,5 bilhão. Haveria ganhos semelhantes com carnes e outros produtos agrícolas brasileiros de exportação.
Os dados desse trabalho assustam porque se somam a uma série de outras informações sobre o protecionismo arrogante dos países desenvolvidos, que atinge pesadamente a produção do Terceiro Mundo, não apenas na agricultura.
Há duas semanas, comentei aqui um estudo da Embaixada do Brasil em Washington, mostrando que os americanos taxam com tarifa média de 45,6% as importações dos 15 produtos que o Brasil mais exporta. Enquanto isso, para entrar no Brasil, os 15 produtos mais exportados pelos EUA pagam em média tarifa de apenas 14,3%.
Para proteger seu mercado e suas empresas, os americanos usam todos os meios. Cada tonelada de suco de laranja exportada para os EUA paga cerca de US$ 430 em tarifas. O açúcar paga 236%, o fumo, 350%.
Sobre o aço laminado a quente, os americanos aplicaram durante anos medidas antidumping. Há oito meses, houve um acordo para suspender as medidas, mas o fluxo normal de exportações até agora não foi restabelecido porque os EUA não aceitam os preços brasileiros.
No caso do aço, sem ufanismos, está na hora de o Brasil pensar mais seriamente na sua estratégia para ganhar mercado internacional, porque tem a indústria mais competitiva do mundo. Enquanto no Brasil o custo de uma tonelada de aço com depreciação vai de US$ 165 a US$ 175, no Japão esse valor fica entre US$ 190 e US$ 240 e, nos EUA, entre US$ 200 e US$ 250.
Para manter essa indústria ineficiente funcionando, o governo americano foi obrigado a conceder à siderurgia mais de US$ 23 bilhões em subsídios nos últimos 30 anos. Mesmo assim, desde o início dos anos 70, a siderurgia americana teve de ser protegida por um arsenal que inclui restrições comerciais, cotas, direitos compensatórios e ações antidumping.
As empresas brasileiras podem e devem se organizar para ter uma participação mais ativa no mercado global. Temos uma enorme vantagem, decorrente da qualidade e do suprimento de minério de ferro aliados a nossa logística e expertise siderúrgica. Mas as empresas brasileiras ainda têm pequeno porte para a concorrência internacional. Precisam investir para crescer e integrar a sua produção com unidades no exterior, mas, para isso, é indispensável que elas possam contar com capital a custos mais baixos.
O Brasil pode e deve liderar o processo de globalização no setor siderúrgico e outros, antes que seja tarde demais. O pior que poderia acontecer seria a globalização passiva, ou seja, a compra de nossas empresas pelos grandes "players" internacionais.
Essas diretrizes não valem apenas para a siderurgia. São adequadas a vários setores em que o país é internacionalmente competitivo, como mineração, celulose, alumínio, têxtil, calçados e agrobusiness.
Não deixarei de bater nesta tecla: o Brasil precisa ter coragem de apoiar de peito aberto o crescimento de empreendimentos nacionais nesses setores, porque são eficientes. Por que ter vergonha de financiar, sem subsídios, empresas brasileiras com condições de participar do jogo global?
Vergonhoso seria oferecer subsídios como os concedidos pela União Européia à sua ineficiente agricultura. Ou como os dados pelos Estados Unidos à sua pouco competitiva indústria siderúrgica.


Benjamin Steinbruch, 46, empresário, é presidente dos conselhos de administração da Valepar e da Companhia Siderúrgica Nacional.
E-mail - bvictoria@psi.com.br


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