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São Paulo, sexta-feira, 04 de julho de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Nove anos de Plano Real

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Faz nove anos que o real passou a ser a moeda legal dos brasileiros. Esse aniversário, comemorado na última terça-feira, não foi lembrado pela maioria dos brasileiros. Nenhuma manchete nos jornais ou especial de televisão chamou a atenção do cidadão para tal data.
"Os brasileiros são uns injustos", dirá algum seguidor contemporâneo de Machado de Assis! "Esquecem as datas mais importantes de sua história", completaria o nosso cético da cidadania brasileira. Tenho uma opinião diferente, mesmo pertencendo a uma geração que lutou com empenho para que tivéssemos no Brasil uma moeda decente e estável. Aniversário da criação de uma moeda nacional estável e forte não é para ser comemorado como uma vitória cívica. Ter uma moeda estável é uma obrigação de qualquer sociedade, mesmo tendo as mazelas sociais que caracterizam a brasileira.
Combatente precoce da busca da estabilidade monetária, pertenci, em 1986, a um pequeno grupo de economistas que foi para as trincheiras do Banco Central lutar contra a inflação, que dominava nossa economia havia mais de dez anos. Abatidos pelo fogo amigo do governo Sarney, este mesmo que hoje preside nosso Congresso Nacional, fomos obrigados a nos retirar para a vida privada em meio à revolta da população contra o engodo do Plano Cruzado. Entendemos, apesar de nossa juventude profissional, que o cidadão não se revoltava nas ruas contra a tentativa de devolver ao país uma moeda decente, mas contra a desilusão de ter de voltar a viver uma corrida maluca para evitar a corrosão inexorável do poder de compra de seus salários.
Durante oito anos curtimos nosso fracasso, procurando corrigir, sob a liderança intelectual de Pérsio Arida, André Lara Resende e Chico Lopes, alguns conceitos que haviam servido de base para o Plano Cruzado e detalhando, com mais cuidado e maturidade, procedimentos para uma nova investida -seria apenas um sonho?- contra o dragão da inflação indexada. Fernando Henrique Cardoso foi nosso instrumento político para essa segunda chance. Ao contrário do político do Maranhão, FHC tinha entendido as vozes da rua em 1986 e estava disposto a liderar aquela nova investida para devolver ao Brasil o direito de ter uma moeda decente.
O resto é a história de sucesso que todos conhecemos. Apesar de inúmeras crises de natureza financeira por que passamos nestes longos nove anos -a desvalorização de janeiro de 1999 ou o choque de oferta que atingiu o setor elétrico no ano seguinte- ou de natureza política, como a que ocorreu na campanha eleitoral do ano passado, temos hoje uma taxa de inflação decente, de 6% ao ano. Prova cabal de que temos uma defesa estrutural, que ganhou a opinião pública -que aceita até sacrifícios brutais, como este pelo qual estamos passando-, para evitar a volta do dragão endemoninhado.
Sei que sempre teremos economistas radicais que vão me atacar pela afirmação de que o índice de 6% ao ano é uma "inflação decente". Para esses verdadeiros zumbis da nacionalidade, somente uma inflação européia, próxima de 2% ao ano, pode ser considerada aceitável -e ela deveria ser perseguida a ferro, fogo e sangue da sociedade e da democracia.
Mas vou deixar esses lunáticos de lado, embora muitos deles estejam hoje em postos importantes no governo Lula, e voltar a falar do sucesso do real para aqueles que entendem que a moeda de um país é um valor social que reflete as cores de uma sociedade em um certo momento de sua história. Aceita essa realidade, podemos ter um certo orgulho do caminho trilhado e olhar para outros desafios que se colocam para nós, brasileiros, hoje.
O povo, que é sempre uma referência importante para quem comanda a direção do país, já incorporou esse avanço, como mostra recente pesquisa do Ibope, realizada sob o patrocínio da CNI. Para o brasileiro, nesta ocasião em que lembramos os nove anos do real, os dois grandes desafios de hoje são a volta de crescimento econômico (52% dos entrevistados) e a melhoria dos salários (21%). A inflação é hoje uma preocupação para apenas 18% dos entrevistados, principalmente entre aqueles de mais idade. Para a faixa etária mais jovem, o velho dragão endemoninhado não existe!
A razão para essa inversão de prioridades é muito simples de entender. Nestes nove anos que transcorreram, desde a entrada em circulação do real, o crescimento foi medíocre: apenas 2,2% ao ano, em média! Para uma sociedade cuja população cresce perto de 1,4% ao ano, tal desempenho é insuficiente para provocar a melhoria do padrão de vida dos brasileiros. Crescer de forma constante durante os próximos dez anos é a única via para termos um Brasil melhor e mais justo. Esse é o nosso desafio de hoje, da mesma forma que o combate à inflação foi a grande luta dos tucanos, então ainda jovens, na década de 90 do século passado.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 60, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).

Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br


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