São Paulo, Domingo, 04 de Julho de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS
Asiáticos enfrentam preconceito para crescer

GILSON SCHWARTZ
da Equipe de Articulistas

Na semana passada, o banco central dos EUA começou a elevar os juros. O movimento era esperado, mas ainda não há consenso quanto ao teto superior da alta.
Com juros em alta, só os mais fanáticos crentes da revolução tecnológica global acreditam que os EUA continuarão a crescer com a intensidade dos últimos anos.
A aterrissagem da economia norte-americana seria o cenário ideal. Ao mesmo tempo, a Bolsa e os mercados de bens e serviços iriam esfriando, sem rupturas.
Uma das condições para que ocorra uma aterrissagem suave é o resto do mundo voltar a crescer. Alguns analistas, diante do derretimento do euro, acreditam que a economia européia voltará a exportar, puxando o crescimento.
Mas a União Européia é bastante fechada. O crescimento europeu não garante um efeito positivo que transborde para o resto do mundo.
A única esperança global reside na Ásia. Na semana passada, o tema foi discutido num seminário da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), o Fórum sobre Perspectivas Asiáticas, organizado em conjunto com o Asian Development Bank.
A virada para um novo milagre ainda enfrenta obstáculos de natureza estrutural, ou seja, que exigem mudanças nas formas de gestão das empresas, suas relações com o poder público e com o sistema financeiro internacional.
É curioso acompanhar a maneira como esses desafios são formulados. Enquanto no Ocidente a ênfase recai sobre ações como privatizar, liberalizar e internacionalizar, o tratamento receitado por ocidentais para a Ásia exige "o estabelecimento de uma genuína parceria entre o setor público e o setor privado" (palavras de Philippe de Fontaine Vive, diretor para Dívida, Desenvolvimento e Mercados Emergentes do Ministério das Finanças da França).
Debate-se muito o imperativo de dar maior transparência às decisões empresariais, de adotar os princípios de boa "governance" (gerência). Mas a vice-secretária-geral da OCDE, Joanna Shelton, é cautelosa e afirma que "tais princípios não são uma tentativa de imposição de idéias ou padrões de comportamento anglo-saxões ou ocidentais ao resto do mundo".
Ao contrário de foros onde se discute a situação latino-americana, sempre condenando a falta de responsabilidade dos governos (o que é inegável), mas absolvendo e até insistindo na liberdade de movimentos dos capitais, no foro sobre as perspectivas asiáticas foi sugerido um tratamento mais rigoroso das finanças. Três áreas, em especial, merecem maior escrutínio: instituições financeiras muito alavancadas ou endividadas, práticas em paraísos fiscais e fluxos financeiros de curto prazo.
Finalmente, outra peculiaridade do Asian Development Bank: foi definida uma política de avaliação de créditos que exige avaliações prévias dos impactos sociais de cada projeto de investimento.
Falou-se até mesmo em necessidade de reconhecimento do conceito de "mercado social", expressão usada pela autoridade em desenvolvimento da chancelaria da Suécia, Mats Karlsson.
Não faltou a voz dos supostos pecadores e pervertidos. O professor coreano Yung Chul Park, presidente do "Korean Exchange Bank", refutou a tese hoje tão comum de que a crise resulta de erros cometidos pelos países asiáticos.
"Foram os fluxos estrangeiros, em boa medida de curto prazo, que detonaram a crise", declarou, acusando que os emergentes estão sub-representados nos foros que discutem uma reforma global.
Em resumo: o debate sobre a recuperação da Ásia está longe do final, mas os preconceitos contra a região são um obstáculo a mais, reconhecido pelos dois lados do balcão das negociações financeiras.

Texto Anterior: Lições contemporâneas - Maria da Conceição Tavares: Raízes do autoritarismo brasileiro
Próximo Texto: Luís Nassif: O noivado de Ari Barroso
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.