São Paulo, Domingo, 04 de Julho de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LUÍS NASSIF
O noivado de Ari Barroso

Quando, no início dos anos 30, o dr. Orozimbo Correa Neto, de Poços de Caldas, soube do noivado da filha com o pianista do cassino "Ao Ponto", foi inflexível. Ou ele mudava de profissão ou mudava de noiva. Cabisbaixo, o pianista, que tinha curso superior, sumiu de Poços e nunca mais voltou. Soube-se, depois, que havia casado com uma moça do Rio de Janeiro.
Durante décadas, esse romance infeliz foi relatado pelas moças de Poços, geração após geração, não tanto pelo seu teor -algo banal na vida daqueles tempos-, mas pelo fato de o pianista ser Ari Barroso, um dos maiores músicos brasileiros do século.
Recém-formado, Ari passou uma temporada em Poços, fugindo da Revolução de 30 ou de 32, pelo que diziam os antigos. Lá, ficou tocando no "Ao Ponto", um dos dois cassinos frequentados pelas famílias poços-caldenses, onde o grande nome era Juan Daniel, paixão das mulheres locais e das banhistas, "crooner" cheio dos dengos e pai do diretor de TV Daniel Filho. Lá aprendeu muito com Napoleão, um negro retinto, exímio tocador de clarineta.
Creio que foi um baque para as senhoras de 30 a excelente biografia de Ari Barroso feita por Sérgio Cabral há alguns anos. Nela, Cabral reservou um capítulo só para as cartas de noivado de Ari com sua futura mulher.
Em uma delas, Ari lamenta profundamente não poder estar no Rio no Carnaval. Relata a maneira como foi recebido pela sociedade poços-caldense, fala de algumas festinhas na casa do dr. Mário Mourão, um dos chefes políticos locais, e informa que Nico Duarte, o dono do "Ao Ponto", fazia questão absoluta de que ele tocasse nos três dias de Carnaval. Nenhum pio sobre o pretenso noivado com uma das flores da sociedade local. Pelo contrário, palavras de paixão à noiva carioca e a recomendação de que ela se mantivesse solidária com ele, não indo se divertir no Carnaval, posto que ele ficaria em Poços literalmente carregando o piano.
Se as mocinhas de Poços, 60 anos mais velhas, sofreram a desilusão quando receberam a notícia da noiva carioca, a futura senhora Ari Barroso foi poupada de desilusão maior.
Naquele Carnaval tórrido do início dos anos 30, Ari Barroso ficara muito amigo do jovem mais galante da cidade, Walther Moreira Salles, filho do seu João, do Banco Moreira Salles.
Terminada a sessão do "Ao Ponto", os dois corriam ao cabaré Gibimba, ali na esquina da rua São Paulo com a praça, um dos cabarés mais famosos do país, de propriedade de Valter Pinto, o futuro grande empresário do teatro de revista.
Foi lá no Gibimba, em que Alzirinha Camargo cantava "Meu Trolinho", do próprio Ari, arrebentando com os corações locais. Ah, Alzirinha, com seu cabelo "à la garçonne", que encantou os jovens de Poços, depois apaixonou Dario de Almeida Magalhães, depois sumiu pelo mundo acompanhando o namorado, o maestro Sumac, dono de orquestra peruana.
Durante algum tempo, a imprensa da época tentou fazer de Alzirinha rival de Carmen Miranda. Não tinha cacife para tanto. Voltou para o Brasil nos anos 50 e morreu aos 80 anos em Santos, sozinha, como enfermeira da Santa Casa. Nunca consegui nenhuma informação sobre ela nem indicações de parentes ou contemporâneos. Apenas uma longa relação de apaixonados.
O Carnaval de Ari Barroso não foi nem com a noiva carioca, nem com a poços-caldense, nem com Alzirinha. Os dois amigos se juntaram a Zaira Cavalcanti, jovem cantora carioca, futura senhora Donga, e uma das atrações do cabaré Gibimba. Juntos, sumiram por quatro dias. Na volta, o doce seu João pela primeira e última vez na vida ergueu a voz com o filho. E Ari voltou para o Rio, compungido, muito mais pelas artes que aprontou do que pela intimação do dr. Correa Neto.

E-mail: lnassif@uol.com.br


Texto Anterior: Asiáticos enfrentam preconceito para crescer
Próximo Texto: Budweiser e Miller vão ficar no Brasil
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.