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LUÍS NASSIF
O noivado de Ari Barroso
Quando, no início dos anos
30, o dr. Orozimbo Correa Neto,
de Poços de Caldas, soube do
noivado da filha com o pianista
do cassino "Ao Ponto", foi inflexível. Ou ele mudava de profissão ou mudava de noiva. Cabisbaixo, o pianista, que tinha
curso superior, sumiu de Poços
e nunca mais voltou. Soube-se,
depois, que havia casado com
uma moça do Rio de Janeiro.
Durante décadas, esse romance infeliz foi relatado pelas moças de Poços, geração após geração, não tanto pelo seu teor
-algo banal na vida daqueles
tempos-, mas pelo fato de o
pianista ser Ari Barroso, um
dos maiores músicos brasileiros
do século.
Recém-formado, Ari passou
uma temporada em Poços, fugindo da Revolução de 30 ou de
32, pelo que diziam os antigos.
Lá, ficou tocando no "Ao Ponto", um dos dois cassinos frequentados pelas famílias poços-caldenses, onde o grande nome
era Juan Daniel, paixão das
mulheres locais e das banhistas,
"crooner" cheio dos dengos e
pai do diretor de TV Daniel Filho. Lá aprendeu muito com
Napoleão, um negro retinto,
exímio tocador de clarineta.
Creio que foi um baque para
as senhoras de 30 a excelente
biografia de Ari Barroso feita
por Sérgio Cabral há alguns
anos. Nela, Cabral reservou um
capítulo só para as cartas de
noivado de Ari com sua futura
mulher.
Em uma delas, Ari lamenta
profundamente não poder estar
no Rio no Carnaval. Relata a
maneira como foi recebido pela
sociedade poços-caldense, fala
de algumas festinhas na casa do
dr. Mário Mourão, um dos chefes políticos locais, e informa
que Nico Duarte, o dono do "Ao
Ponto", fazia questão absoluta
de que ele tocasse nos três dias
de Carnaval. Nenhum pio sobre
o pretenso noivado com uma
das flores da sociedade local.
Pelo contrário, palavras de paixão à noiva carioca e a recomendação de que ela se mantivesse solidária com ele, não indo se divertir no Carnaval, posto que ele ficaria em Poços literalmente carregando o piano.
Se as mocinhas de Poços, 60
anos mais velhas, sofreram a
desilusão quando receberam a
notícia da noiva carioca, a futura senhora Ari Barroso foi
poupada de desilusão maior.
Naquele Carnaval tórrido do
início dos anos 30, Ari Barroso
ficara muito amigo do jovem
mais galante da cidade, Walther Moreira Salles, filho do seu
João, do Banco Moreira Salles.
Terminada a sessão do "Ao
Ponto", os dois corriam ao cabaré Gibimba, ali na esquina
da rua São Paulo com a praça,
um dos cabarés mais famosos
do país, de propriedade de Valter Pinto, o futuro grande empresário do teatro de revista.
Foi lá no Gibimba, em que Alzirinha Camargo cantava
"Meu Trolinho", do próprio
Ari, arrebentando com os corações locais. Ah, Alzirinha, com
seu cabelo "à la garçonne", que
encantou os jovens de Poços,
depois apaixonou Dario de Almeida Magalhães, depois sumiu pelo mundo acompanhando o namorado, o maestro Sumac, dono de orquestra peruana.
Durante algum tempo, a imprensa da época tentou fazer de
Alzirinha rival de Carmen Miranda. Não tinha cacife para
tanto. Voltou para o Brasil nos
anos 50 e morreu aos 80 anos
em Santos, sozinha, como enfermeira da Santa Casa. Nunca
consegui nenhuma informação
sobre ela nem indicações de parentes ou contemporâneos.
Apenas uma longa relação de
apaixonados.
O Carnaval de Ari Barroso
não foi nem com a noiva carioca, nem com a poços-caldense,
nem com Alzirinha. Os dois
amigos se juntaram a Zaira Cavalcanti, jovem cantora carioca, futura senhora Donga, e
uma das atrações do cabaré Gibimba. Juntos, sumiram por
quatro dias. Na volta, o doce
seu João pela primeira e última
vez na vida ergueu a voz com o
filho. E Ari voltou para o Rio,
compungido, muito mais pelas
artes que aprontou do que pela
intimação do dr. Correa Neto.
E-mail: lnassif@uol.com.br
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