São Paulo, Domingo, 04 de Julho de 1999 |
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NEGÓCIOS A questão é que o poder de fogo necessário para competir no mundo pode ameaçar o direito do consumidor no Brasil Megafusão reacende debate sobre monopólio
CÉLIA DE GOUVÊA FRANCO DAVID FRIEDLANDER da Reportagem Local A criação da AmBev, associação bilionária entre Brahma e Antarctica anunciada na quinta-feira, puxou do fundo do baú um assunto que parecia esquecido -a formação de monopólios e seus riscos para o consumidor. Se for aprovada pelo governo, a AmBev será uma potência. Nasce como a quinta maior indústria de bebida do mundo e a terceira no ranking das cervejarias, atrás apenas da Anheuser-Bush americana e da Heineken, da Holanda. No Brasil, passaria a deter 39% da produção de bebidas e 71% do mercado de cervejas. O poder de fogo da nova empresa já está incomodando. Os supermercadistas temem a força da AmBev os prejudique na hora de negociar preços. Os concorrentes, como seria de se esperar, protestam: na sexta-feira, a diretoria da Kaiser divulgou uma nota comunicando que é contra a fusão. "É inaceitável, em qualquer economia do mundo, concentrar em um única empresa mais de 70% da venda de um produto", diz o comunicado. A nova empresa terá que passar pelo crivo do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), o departamento do governo encarregado de defender os direitos dos consumidores contra abusos econômicos. Pelo menos uma das sete pessoas que vão julgar o caso, a conselheira Lúcia Helena Salgado e Silva, já mostrou preocupação. A fusão entre a Brahma e a Antarctica é um caso de "tremenda concentração" e a operação não deverá ser aprovada pelo conselho sem restrições. Do seu lado, Brahma e Antarctica afirmam que precisaram se juntar para poder competir numa economia cada vez mais difícil. A redistribuição do capital e da indústria pelo mundo, a chamada globalização, abriu uma janela na economia de países até pouco tempo fechados, como o Brasil. Por essa janela, de acordo com o raciocínio dos executivos da Brahma e da Antarctica, poderiam entrar concorrentes gigantescos e é contra eles que estão querendo se proteger. O Brasil estaria vivendo, dessa forma, um dilema sem respostas fáceis -seria melhor permitir a formação de grandes empresas, que dominem seus mercados, ou impedir sua formação para não colocar em perigo a livre concorrência? Discussão vencida "A discussão sobre concentração de mercado já está vencida no Brasil", diz Eugênio Staub, presidente da Gradiente e do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial). "Hoje, o país tem vários mecanismos para evitar e punir abusos." Nos últimos anos, o Brasil abriu sua economia de tal forma que seria difícil a repetição de excessos de um período em que as empresas, protegidas por reserva de mercado ou impostos elevados, cobravam o que queriam de seus clientes, que não tinham muita escolha. "Não é mais o número de fabricantes domésticos que determina se existe concorrência ou não", afirma Eduardo Gianetti da Fonseca, economista da USP (Universidade de São Paulo). Se houver abuso de preços, o governo pode baixar mais os impostos de importação, de 20% no caso da cerveja, e atrair os concorrentes internacionais. "Se a AmBev abusar nos preços, as cervejarias argentinas, por exemplo, poderiam entrar no Sul do país", diz José Roberto Opice, sócio da Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados, um dos maiores escritórios na área de negócios. O problema, pelo menos por enquanto, é a necessidade de gerar superávits na balança comercial. Controlar os preços no mercado interno com o auxílio de importações seria mais difícil agora do que foi no início do Plano Real, quando o país conseguia financiar seu déficit externo com abundantes empréstimos internacionais. Essa fonte diminuiu e o Brasil se vê obrigado a obter dólares exportando mais e importando menos. Made in Brazil Para muitos, o que está em jogo é o futuro da indústria nacional. Carlos Francisco Magalhães, um dos advogados que trabalhou na criação da AmBev, diz que as alternativas do país são a desnacionalização ou a criação de oligopólios de capital nacional, num modelo semelhante ao que surgiu na Espanha e em Portugal. Há cerca de dez anos, empresas de outros países europeus, principalmente da Alemanha, tomaram de assalto a Península Ibérica. Os empresários locais reagiram associando-se em grandes empresas -que, numa segunda etapa, passaram a se expandir internacionalmente. É o que vem acontecendo há alguns anos na América Latina e mais recentemente no Brasil, com a chegada da Telefônica, dos bancos Santander e Bilbao Vizcaya, todos espanhóis, ou dos portugueses da rede de supermercados Sonae e da Portugal Telecom. Hélio Mattar, secretário de Política Industrial do Ministério do Desenvolvimento, acha que seria possível defender o consumidor de eventuais abusos praticados por grupos muito fortes. "O governo pode acompanhar os números dessas empresas. Se a lucratividade for exagerada pelos padrões internacionais de seus setor, poderia ser um indício de que alguma coisa não está funcionando bem", diz o secretário de Política Industrial. Texto Anterior: Brasil é o mais independente Próximo Texto: Empresa de latas vê chance de crescer Índice |
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