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São Paulo, segunda-feira, 04 de agosto de 2003

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ARTIGO

Sanções comerciais precisam ser evitadas

JEFFREY SACHS
ESPECIAL PARA A FOLHA

O Congresso dos EUA aprovou quase por unanimidade o endurecimento das sanções comerciais e financeiras contra Mianmar (antiga Birmânia), cujo regime despótico prende repetidamente a líder do país, Aung San Suu Kyi. Aung ganhou a eleição em 1990, mas os militares impediram que assumisse o poder.
Mas as sanções são uma abordagem errada, pois a marginalização internacional prejudica os cidadãos comuns muito mais que seus regimes ditatoriais. Está na hora de reduzir o uso de sanções econômicas e torná-las mais dirigidas aos déspotas.
As sanções mais famosas na história recente foram as impostas à África do Sul na era do apartheid. Grande parte da comunidade mundial deixou de comercializar com a África do Sul e de fazer investimentos em empresas do país. Essas sanções, ao que parece, ajudaram a acelerar a queda do sistema bárbaro. Mas um grande sucesso não nega os muitos fracassos. Além disso, é muito possível que a comunidade mundial tivesse apoiado a derrubada do apartheid de outras maneiras.
É claro que as sanções podem ser eficazes para prejudicar a economia. O desenvolvimento econômico na atual economia global depende de cada país se integrar à rede mundial de produção, comércio e investimento. Uma economia que é excluída por sanções provavelmente entrará em estagnação ou mesmo em colapso.
Assim, a economia sul-africana experimentou um declínio absoluto na produção per capita durante os anos de sanções generalizadas. Mas essas não foram o único motivo do declínio. A inquietação política também devastou a economia, assim como a queda dos preços do ouro no mercado mundial. Ainda assim, a África do Sul foi muito prejudicada pelas sanções, e o mesmo se aplica a vários outros países.
Cuba suporta hoje uma pesada carga, não apenas em consequência de seus próprios erros internos como também das barreiras ao comércio e ao investimento impostas pelos EUA desde a década de 60. O Haiti entrou em espiral econômica quando os EUA impuseram sanções na década de 90, supostamente para restabelecer a democracia.
O Iraque e a Coréia do Norte também foram assolados por sanções. No Iraque, durante os anos 90, milhões de crianças sofreram doenças e um vasto número morreu devido às sanções, que contribuíram para arruinar a economia do país. A economia da Coréia do Norte desmoronou totalmente nos anos 90, provocando fome generalizada. Mais uma vez, isso é resultado da combinação de despotismo político e políticas econômicas atrozes na Coréia do Norte com as sanções.
Mianmar já pagou um preço extremamente alto por seu isolamento. As organizações internacionais cortaram ou eliminaram seu trabalho no país e grande parte da ajuda estrangeira bilateral também foi eliminada. A Aids atacou de modo devastador, e o país quase não recebeu ajuda para controlar a epidemia. A crise da Aids em Mianmar é hoje a pior no Sudeste Asiático.
Embora as sanções claramente gerem sofrimento em muitos lugares, com que frequência atingem o objetivo desejado? Em Mianmar, Iraque, Coréia do Norte e Cuba, os regimes despóticos não apenas sobreviveram como se tornaram ainda mais despóticos. Esses regimes conseguiram culpar os estrangeiros pelas dificuldades internas, mesmo quando foram seus próprios erros políticos e abusos de direitos humanos que causaram as crises.
Na verdade, as sanções enfraquecem a economia e a saúde pública, mas não necessariamente aumentam a probabilidade de queda de um regime despótico. Minam o regime ao causar uma inquietação generalizada e reduzir a base de poder do governo e a captação de impostos. Mas também enfraquecem a capacidade de o setor privado financiar a oposição, tendem a isolar a oposição interna de fontes de apoio internacionais e a reduzir, mais que aumentar, a consciência internacional sobre os abusos cometidos.
Alguns efeitos adicionais são ainda mais perniciosos. Quando as vias comerciais legais são proibidas, os meios ilegais tornam-se mais interessantes. Muitos países sob sanções, como Mianmar, tornam-se fontes de tráfico ilegal mundial de armas, drogas, de lavagem de dinheiro e trabalho forçado. O tráfico de drogas ou outras atividades ilegais podem dominar todo o governo, transformando-o de despotismo em crime organizado internacional.
Isso significa que o mundo não deve fazer nada sobre os regimes despóticos? Não há uma resposta fácil, mas, se for possível enfraquecer um governo sem enfraquecer a economia, essas medidas devem ser tomadas.
As chamadas "sanções inteligentes" se concentram mais precisamente na liderança política. Incluem a negação de privilégios de viagens internacionais aos déspotas e suas famílias e submeter esses déspotas ao risco de processos internacionais. Os líderes podem ser feitos prisioneiros em seus próprios países. As sanções inteligentes também podem visar especificamente o comércio de bens militares, reduzindo as forças armadas desses regimes. Além disso, a ajuda estrangeira pode ser desviada do governo para organizações não-governamentais, reforçando a sociedade civil.
É fácil votar contra o governo de Mianmar, mas é mais difícil promover mudança política. Privar a economia provavelmente não ajudará, mas aumentará o sofrimento da população. É claro que os países que adotam sanções não pretendem isso, o que não diminui sua responsabilidade.


Jeffrey Sachs é professor de economia e diretor do Instituto da Terra na Universidade Columbia (EUA).

Tradução de Luiz Roberto Gonçalves


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