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ARTIGO
Sanções comerciais precisam ser evitadas
JEFFREY SACHS
ESPECIAL PARA A FOLHA
O Congresso dos EUA
aprovou quase por unanimidade o endurecimento das sanções comerciais e financeiras contra Mianmar (antiga Birmânia),
cujo regime despótico prende repetidamente a líder do país, Aung
San Suu Kyi. Aung ganhou a eleição em 1990, mas os militares impediram que assumisse o poder.
Mas as sanções são uma abordagem errada, pois a marginalização internacional prejudica os cidadãos comuns muito mais que
seus regimes ditatoriais. Está na
hora de reduzir o uso de sanções
econômicas e torná-las mais dirigidas aos déspotas.
As sanções mais famosas na história recente foram as impostas à
África do Sul na era do apartheid.
Grande parte da comunidade
mundial deixou de comercializar
com a África do Sul e de fazer investimentos em empresas do país.
Essas sanções, ao que parece, ajudaram a acelerar a queda do sistema bárbaro. Mas um grande sucesso não nega os muitos fracassos. Além disso, é muito possível
que a comunidade mundial tivesse apoiado a derrubada do apartheid de outras maneiras.
É claro que as sanções podem
ser eficazes para prejudicar a economia. O desenvolvimento econômico na atual economia global
depende de cada país se integrar à
rede mundial de produção, comércio e investimento. Uma economia que é excluída por sanções
provavelmente entrará em estagnação ou mesmo em colapso.
Assim, a economia sul-africana
experimentou um declínio absoluto na produção per capita durante os anos de sanções generalizadas. Mas essas não foram o único motivo do declínio. A inquietação política também devastou a
economia, assim como a queda
dos preços do ouro no mercado
mundial. Ainda assim, a África do
Sul foi muito prejudicada pelas
sanções, e o mesmo se aplica a vários outros países.
Cuba suporta hoje uma pesada
carga, não apenas em consequência de seus próprios erros internos como também das barreiras
ao comércio e ao investimento
impostas pelos EUA desde a década de 60. O Haiti entrou em espiral econômica quando os EUA
impuseram sanções na década de
90, supostamente para restabelecer a democracia.
O Iraque e a Coréia do Norte
também foram assolados por sanções. No Iraque, durante os anos
90, milhões de crianças sofreram
doenças e um vasto número morreu devido às sanções, que contribuíram para arruinar a economia
do país. A economia da Coréia do
Norte desmoronou totalmente
nos anos 90, provocando fome
generalizada. Mais uma vez, isso é
resultado da combinação de despotismo político e políticas econômicas atrozes na Coréia do
Norte com as sanções.
Mianmar já pagou um preço extremamente alto por seu isolamento. As organizações internacionais cortaram ou eliminaram
seu trabalho no país e grande parte da ajuda estrangeira bilateral
também foi eliminada. A Aids
atacou de modo devastador, e o
país quase não recebeu ajuda para
controlar a epidemia. A crise da
Aids em Mianmar é hoje a pior no
Sudeste Asiático.
Embora as sanções claramente
gerem sofrimento em muitos lugares, com que frequência atingem o objetivo desejado? Em
Mianmar, Iraque, Coréia do Norte e Cuba, os regimes despóticos
não apenas sobreviveram como
se tornaram ainda mais despóticos. Esses regimes conseguiram
culpar os estrangeiros pelas dificuldades internas, mesmo quando foram seus próprios erros políticos e abusos de direitos humanos que causaram as crises.
Na verdade, as sanções enfraquecem a economia e a saúde pública, mas não necessariamente
aumentam a probabilidade de
queda de um regime despótico.
Minam o regime ao causar uma
inquietação generalizada e reduzir a base de poder do governo e a
captação de impostos. Mas também enfraquecem a capacidade
de o setor privado financiar a
oposição, tendem a isolar a oposição interna de fontes de apoio internacionais e a reduzir, mais que
aumentar, a consciência internacional sobre os abusos cometidos.
Alguns efeitos adicionais são
ainda mais perniciosos. Quando
as vias comerciais legais são proibidas, os meios ilegais tornam-se
mais interessantes. Muitos países
sob sanções, como Mianmar, tornam-se fontes de tráfico ilegal
mundial de armas, drogas, de lavagem de dinheiro e trabalho forçado. O tráfico de drogas ou outras atividades ilegais podem dominar todo o governo, transformando-o de despotismo em crime organizado internacional.
Isso significa que o mundo não
deve fazer nada sobre os regimes
despóticos? Não há uma resposta
fácil, mas, se for possível enfraquecer um governo sem enfraquecer a economia, essas medidas
devem ser tomadas.
As chamadas "sanções inteligentes" se concentram mais precisamente na liderança política.
Incluem a negação de privilégios
de viagens internacionais aos déspotas e suas famílias e submeter
esses déspotas ao risco de processos internacionais. Os líderes podem ser feitos prisioneiros em
seus próprios países. As sanções
inteligentes também podem visar
especificamente o comércio de
bens militares, reduzindo as forças armadas desses regimes. Além
disso, a ajuda estrangeira pode ser
desviada do governo para organizações não-governamentais, reforçando a sociedade civil.
É fácil votar contra o governo de
Mianmar, mas é mais difícil promover mudança política. Privar a
economia provavelmente não
ajudará, mas aumentará o sofrimento da população. É claro que
os países que adotam sanções não
pretendem isso, o que não diminui sua responsabilidade.
Jeffrey Sachs é professor de economia
e diretor do Instituto da Terra na Universidade Columbia (EUA).
Tradução de Luiz Roberto Gonçalves
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