São Paulo, sábado, 04 de setembro de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Regra de ouro nas Olimpíadas

GESNER OLIVEIRA

Foi uma semana de celebração de bons resultados nos Jogos Olímpicos e na maratona que representa a produção de bens e serviços no Brasil. Os atletas foram justamente saudados em carro aberto, e as estatísticas do PIB (Produto Interno Bruto), alardeadas pelo governo.
É compreensível que a expansão do segundo trimestre tenha chamado a atenção em um país que saiu de uma recessão em 2003 e tem crescido a um ritmo ligeiramente superior a 2% ao ano nas últimas duas décadas. Em contraste, a economia expandiu 1,6% ao trimestre na primeira metade de 2004, equivalente a 6,6% ao ano.
Daiane foi como Pelé nas Copas de 1962 e 1966. O talento indiscutível que não teve a sorte e as condições objetivas para explodir. Sem contar o maluco do Cornelius Horan, que impediu a rota de ouro de Vanderlei Cordeiro de Lima, algo inconcebível em qualquer corrida de rua com um mínimo de organização. Mesmo assim o Brasil conseguiu a melhor classificação em Jogos Olímpicos e a segunda maior participação no cômputo total de medalhas (1,17%), inferior apenas à de Atlanta, em 1996 (1,4%).
Economia e Olimpíada andam juntas. O professor Roberto Macedo deu bons exemplos nesse sentido em artigo no "Estado de S. Paulo" do dia 2. Os universitários brasileiros intuíram esse parentesco quando criaram as Economíadas, que terão sua 14ª edição em outubro deste ano. Os economistas Andrew Bernard da Tuck School e Meghan Busse, da Universidade da Califórnia, elaboraram um modelo econométrico de previsão de medalhas em Jogos Olímpicos por país.
O PIB per capita é uma das variáveis explicativas do modelo de Bernard e Busse. A mera inspeção da classificação de medalhas sugere uma associação entre renda por habitante e sucesso nos Jogos. Para a versão de 2004, pode-se obter uma correlação positiva. O IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) das Nações Unidas, que inclui a renda per capita conjuntamente com outros indicadores sociais, também registra associação com o desempenho olímpico.
A correlação entre desempenho olímpico e situação econômica desloca disputas de diversas naturezas para o terreno esportivo. As Olimpíadas se tornaram um instrumento sinalizador poderoso. Daí a importância atribuída ao evento pela máquina de propaganda nazista, em Berlim, em 1936. Ou a verdadeira corrida espacial pela obtenção de medalhas entre EUA e União Soviética nos tempos da Guerra Fria. Ou ainda o significado de rito de passagem para o mundo desenvolvido e promoção da marca nacional pelo país-sede dos Jogos.
As Olimpíadas já refletem uma economia mundial ampliada, na qual novas regiões passam a ter mais peso até pelo tamanho da população. A despeito da enorme desigualdade econômica e social no mundo, houve uma desconcentração na obtenção de medalhas. Os 202 países participantes da Olimpíada de Atenas superam o número de membros da Organização Mundial do Comércio (147).
Isso pode ser ilustrado pela participação decrescente dos quatro primeiros países no total de medalhas, conforme mostra o gráfico nesta página. Na primeira Olimpíada dos tempos modernos, em Atenas, em 1896, os quatro primeiros países conseguiram 74% do total de medalhas, contra 35% em 2004. Um outro indicador de concentração, o chamado Índice de Herfindahl-Hirschman (HHI, na sigla em inglês), freqüentemente utilizado em estudos de mercado, mostra algo semelhante. Um HHI alto indica concentração elevada; seu valor máximo de 10 mil indica monopólio. Pois o maior valor foi atingido na Olimpíada de St. Louis, nos EUA (7089), em 1904, e o mínimo, em Atenas, em 2004.
É muito difícil um modelo econométrico acertar na mosca o número de medalhas que cada país vai obter. Felizmente Bernard e Busse erraram quando previram apenas uma medalha de ouro para o Brasil em 2004. Mas o desempenho do Brasil ainda é inconstante. O sucesso em Atlanta em 1996 foi seguido pelo fracasso em Sydney em 2000 e agora o avanço em Atenas.
A mesma coisa ocorre com o crescimento do PIB. De nada adianta crescer três a quatro trimestres para depois voltar à crise e à recessão. É preciso consistência e estratégia de longo prazo, elementos ainda ausentes na atual política econômica. Isso não dá crescimento sustentado na economia. Nem ouro na Olimpíada.


Gesner Oliveira, 48, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.

Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br


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