São Paulo, sexta, 4 de setembro de 1998

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LUÍS NASSIF
Diagnóstico da crise

Um dos economistas criativos do país, não se prendendo a cânones ou à síndrome do pinguim que sacode o mercado financeiro, Ruben Dario Almonacid conseguiu sintetizar com propriedade o que considera os fundamentos das modernas crises cambiais em um trabalho denominado "A Crise Asiática e o Papel do FMI".
Há uma clara crise no pensamento econômico mundial, que impede, até agora, que se explique como economias altamente superavitárias, como o Japão, e altamente deficitárias, como a Rússia, padeçam dos mesmos problemas de corrida contra suas moedas nacionais.
Primeiro, Almonacid parte do reconhecimento da tendência das economias de mercado para os exageros. Tome-se o caso de um imóvel. A fixação de seu preço vai depender do fluxo de rendimento que vai proporcionar ao longo de determinado período; da expectativa de seu valor de mercado, no final do período; da expectativa de taxas de juros futuras. Dependendo das expectativas o preço pode oscilar de R$ 50 mil as R$ 100 mil.
Esse tipo de comportamento torna-se particularmente relevante em dois mercados macroeconômicos importantes: a Bolsa e o mercado cambial, diz Almonacid.
Segundo Almonacid, os movimentos exagerados ocorridos nos últimos anos em imóveis, ações e câmbio tiveram como causa central a dinâmica do setor externo, o livre fluxo de capitais entrando e saindo de países.
Seu raciocínio macroeconômico é o seguinte:
O Balanço de Pagamentos (BP) de um país corresponde ao Saldo em Transações Correntes (STC) mais o Saldo de Contas de Capital (SCK). Ou à variação das reservas internacionais (r).
O STC abrange todas as transações com bens e serviços de um país com o resto do mundo. O SCK inclui todas as transações financeiras do exterior.
A fórmula de equilíbrio é BP = STC + SCK = Variação das Reservas.
Quando BP está em equilíbrio significa que o STC é igual ao SCK e as reservas internacionais estão constantes.
O STC depende da taxa real de câmbio, da renda do país e da do resto do mundo. Aumentos da taxa real de câmbio e da renda do resto do mundo melhoram o STC. Aumento da renda interna, piora.
Já o SCK é função do diferencial entre o juro na moeda local e o juro de aplicações na moeda estrangeira. Um aumento do juro local tende a gerar entrada de capitais; aumento da desvalorização esperada, uma saída de capitais.
Em um mercado cambial livre, a taxa de câmbio tende a se desvalorizar quando o BP é deficitário e a se valorizar quando o BP é superavitário.
Aí, criam-se alguns círculos viciosos:
1) Um aumento do juro interno gera um influxo de capitais.
2) Estes, por sua vez, tendem a revalorizar o câmbio, o que afetará as expectativas quanto à taxa de câmbio, levando à sua valorização.
3) Isto aumentará novamente o juro oferecido pela moeda local e induzirá novos influxos de capitais.
4) A entrada de capitais gera uma expansão monetária, e se o Banco Central quiser esterilizá-la irá colocar no mercado dívida interna, pressionando os juros internos para cima, e, com isso, fortalecendo ainda mais o influxo de capitais.
Diferentes e iguais
A partir desse esquema, Almonacid demonstra como essa dinâmica contribuiu para desestabilizar economias tão díspares.
Exemplo 1 - Brasil e Argentina tiveram que manter juros elevados no início dos planos de estabilização, para quebrar as expectativas inflacionárias. Esses juros induziram a influxos maciços de capitais, levando a uma apreciação do câmbio e reforçando ainda mais os juros reais positivos para os investidores externos. O câmbio atrasou, e a balança comercial, que era altamente positiva, e o STC se tornaram crescentemente negativos, agravando a situação da dívida externa e a necessidade de manter juros reais elevados.
Exemplo 2 - Japão do começo da década. O país apresentava elevados superávits em transações correntes e saídas de capitais, mas em ritmo menor que o saldo em transações correntes. Como consequência, a moeda se apreciava, o que reforçava a remuneração esperada já elevada em ienes e reduzia o incentivo à saída de capitais, reforçando o desequilíbrio entre STC e SCK.
Exemplo 3 - SCK inicialmente positivo e, depois, negativo: casos dos Tigres Asiáticos de 97-98 e Rússia de 98. Com STC negativo e SCK positivo, mas não o suficiente para financiá-lo, existe tendência para desvalorizar a moeda. Isto reduz a remuneração esperada para aplicações na moeda local e incentiva a saída de capitais. Ocorre uma desvalorização para tentar melhor o STC, que confirma as expectativas de desvalorização e favorece ainda mais a saída de capital. O processo de reequilíbrio é um longo e sofrido caminho de recessão até que o STC atinja valor compatível com o SCK.
Exemplo 4 - Japão 1998. Quando se abaixam os juros para induzir aumentos da demanda agregada, isso torna a remuneração dos ienes inferior à remuneração em outras moedas. Há um aumento da saída de capitais, acima do necessário para equilibrar o BP, e isso põe pressão sobre o câmbio. A desvalorização do câmbio confirma as expectativas de que manter recursos em ienes é mau negócio. Há novamente maior saída de capitais e maior desvalorização da moeda.
As recomendações dos especialistas vão desde expandir a oferta de moeda (Krugman) até aumentar despesas e cortar impostos ou aumentar a inflação (FMI). Todas essas medidas -diz Almonacid- seriam o contrário das necessárias para estabelecer o equilíbrio entre SCK e STC -que seria diminuir a saída de capitais e a necessidade de desvalorizar a moeda (aumentando os juros, quando for o caso).
Conclui Almonacid que, para fins da dinâmica deste processo, o que importa é a relação entre o STC e o SCK e não o valor absoluto de um e de outro.
As soluções para a nova ordem mundial passam pela criação de uma moeda única mundial, permitindo à política monetária se concentrar, mais uma vez, em evitar ou minimizar exageros nos mercados de outros ativos (ações, imóveis, bens e serviços), como numa economia fechada. Ou, então, a criação de um órgão supranacional, que atue como um banco central, minimizando as corridas contra moedas de países.
Enquanto não amadurece esta solução, diz Almonacid, os países têm que usar todos os instrumentos de política econômica disponíveis para evitar desequilíbrio no BP, especialmente se eles acumulam sob forma de dívida externa elevada, porque a dívida torna o país dependente das expectativas e da vontade dos estrangeiros.

E-mail:lnassif@uol.com.br



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