São Paulo, sexta-feira, 04 de outubro de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Momento de reflexão

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Finalmente estamos chegando perto do dia das eleições, que vão definir o cenário político e econômico dos próximos anos no Brasil. Em uma democracia de massas, que se consolida a cada dia que passa, as escolhas de milhões de brasileiros neste domingo têm uma importância particular: primeiro porque estará terminando o mais longo período em que um líder político, escolhido democraticamente em duas ocasiões pela maioria absoluta dos eleitores, governou nosso país; segundo porque este pleito pode marcar a ascensão ao poder federal, depois de décadas de uma ação política organizada e exitosa, de um partido claramente de esquerda e que tem um projeto definido para a sociedade brasileira.
Podemos alinhar uma série de outros fatores políticos e sociais, que fazem desta eleição algo de especial. Poderíamos dizer que o voto neste domingo dar-se-á em um período no qual a democracia vem mostrando toda a sua plenitude no Brasil. Diferentemente de outros tempos, não tivemos nenhuma crise política grave, nos últimos dez anos, que ameaçasse ou colocasse em risco o regime democrático. O fantasma da intervenção militar desapareceu de nossos horizontes e só é lembrado hoje pelas gerações mais velhas.
O jogo político entre oposição e situação ocorreu, nestes últimos anos, mesmo em momentos de maior tensão, dentro dos limites institucionais. A transparência do debate sempre foi garantida pela atuação madura de uma imprensa que também vem exercendo com eficiência seu papel de agente auxiliar da democracia. Mais recentemente, durante o período eleitoral, os candidatos com propostas menos claras e com campanhas políticas sustentadas em mitos ou falsas promessas tiveram grandes dificuldades em sobreviver nesse ambiente de questionamento e transparência. O espaço para aventuras políticas diminuiu muito, o que também é muito bom para a democracia.
Agora, na reta final do processo eleitoral, apareceu com destaque também outra marca institucional moderna de nosso sistema político: o acesso, definido por lei federal, dos partidos políticos ao sistema de rádio e TV. O horário eleitoral gratuito é uma conquista que diferencia nosso país, à medida que reduz de maneira importante o uso do poder econômico na disputa eleitoral. Quanto custaria, a valor de mercado, todo o tempo que candidatos e partidos tiveram à sua disposição em 2002?
É evidente que o analista mais ranzinza poderia dizer, com razão, que precisamos ainda de uma legislação mais eficiente e justa para o financiamento dos outros gastos de campanha! Mas a eliminação da fonte mais importante de influência econômica já é um passo gigantesco no sentido de uma utopia democrática.
Chamou também a atenção do analista mais cuidadoso a presença constante do TSE na fiscalização da campanha eleitoral. Desde a obrigação do registro das chamadas pesquisas de opinião, que no Brasil representam um instrumento auxiliar importante das campanhas eleitorais, até a fiscalização constante do conteúdo do horário eleitoral gratuito. A presença dos juízes eleitorais tem representado também uma marca da modernidade de nossa democracia.
Outras decisões desse tribunal -como a que, por unanimidade de seus membros, rejeitou o pedido de suspeição de seu presidente por relações de amizade com o candidato do governo, arguida por alguns "juristas de São Paulo"- deixaram bem clara sua autoridade para evitar que o uso da chicana atinja o processo eleitoral. A lisura das eleições deste ano, percebida aqui e no exterior, também fez com que a tentativa de alguns candidatos de pedir uma fiscalização internacional das eleições caísse no ridículo e no esquecimento.
Nesse ambiente eleitoral correto, eficiente e legítimo o eleitor teve a oportunidade de conhecer com alguma profundidade as propostas e caminhos que se abriram para o país após FHC. É evidente que não podemos cobrar dos candidatos e partidos uma transparência total de suas promessas. Somos uma sociedade de massas, e é legítima a utilização dos instrumentos modernos de comunicação para ganhar a alma e o voto do cidadão.
Aqui temos uma outra marca de modernidade de nosso sistema eleitoral. As campanhas dos dois principais candidatos são obras pessoais de dois dos maiores especialistas de marketing no Brasil. Na orientação de seus candidatos, eles se utilizam não só de seus talentos profissionais como também das técnicas mais modernas de avaliação do comportamento humano. A imagem pública dos candidatos e suas principais propostas de governo são construídas a partir dessa leitura do inconsciente do cidadão. Mistificação, dirão os puristas. Prefiro lidar com a idéia de que isso é apenas realismo em relação à forma como se organizam as sociedades modernas, como a brasileira.
O importante é que os eleitos sejam submetidos, nos próximos quatro anos, a uma fiscalização sobre o cumprimento ou não de suas promessas eleitorais. E isso eu tenho certeza de que será feito pela imprensa, permitindo ao leitor acertar contas com aqueles que se afastarem de suas promessas.
A escolha do próximo domingo, como já disse, será muito importante também em razão da crise econômica e financeira que estamos vivendo. O eleitor fará sua escolha em tempos bicudos. Não se trata apenas de mudar um modelo econômico, que não deu certo. É preciso mudá-lo e ao mesmo tempo passar por um período de muitas dificuldades, em um mundo que também está em crise. Uma quadratura do círculo que vai exigir muita competência do próximo presidente.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 59, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br


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