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OPINIÃO ECONÔMICA
Discórdia sobre o Consenso de Washington
GESNER OLIVEIRA
Não há consenso acerca do
Consenso de Washington.
Nunca houve. Essa é a conclusão
da leitura do novo livro de John
Williamson, que há 13 anos usou
essa expressão para descrever um
programa de dez reformas para a
América Latina.
Como toda expressão que pega,
"Consenso de Washington" é usada em qualquer conversa social,
com múltiplos significados. Fica à
escolha do freguês. É muito comum empregá-la como sinônimo
de política "neoliberal", adjetivo
raivoso e carente de conteúdo. Na
prática, serve como um rótulo para qualquer medida de caráter liberalizante, da privatização de
estatais à reforma previdenciária.
Na verdade, o decálogo de Williamson incluía medidas gerais,
como o redirecionamento dos
gastos públicos, a desregulamentação e a austeridade fiscal, que
poderiam ser apoiadas por um
amplo espectro de forças políticas.
Hoje em dia, nem o PT diverge de
proposições desse tipo. Uma comparação fria entre o chamado
Consenso de Washington e a política econômica do governo federal levaria à conclusão de que o
PT no governo está à direita do
Consenso de Washington.
Tampouco há identidade entre
as políticas do FMI e o Consenso
de Washington. A supervalorização do peso, que fazia parte do regime cambial argentino e no qual
o FMI embarcou, não fazia parte
do Consenso de Washington.
A bem da verdade, o remédio
prescrito por Williamson no início dos anos 90 tinha várias contra-indicações. Mas, como sempre, a bula estava escrita com
uma letra minúscula e cheia de
expressões cifradas. O paciente
não teve paciência ou não quis
ler. Um alerta que deveria estar
escrito em vermelho e em letras
garrafais era o perigo da versão
globalizada da doença holandesa
por meio do dólar artificialmente
barato.
Depois de mais de uma década
de baixo crescimento no Brasil e
na América Latina, é oportuno
repensar e verificar o que deu errado. A nova agenda proposta
por Williamson acrescenta quatro itens ao programa original.
Em primeiro lugar, a proteção
contra a sucessão de choques externos mediante a maior solidez
da posição fiscal.
Em segundo lugar, a realização
de reformas tão debatidas, mas
não implementadas. O paciente
reclama que o remédio não curou
a doença, mas a receita não foi seguida à risca, quando não foi
olimpicamente ignorada. Em alguns casos, o vidro continua cheio
de comprimidos intocados.
O mercado de trabalho, por
exemplo, continua com todos os
vícios do corporativismo e do intervencionismo, em prejuízo do
trabalhador e da produtividade
do país. Em outros casos, como o
do atual projeto de reforma tributária, a suposta mudança é um
retrocesso.
Em terceiro lugar, propõe-se a
execução das chamadas reformas
de segunda geração, que envolvem a do Judiciário, a do sistema
político e a do financiamento de
longo prazo. A literatura recente
sobre o papel das instituições no
desenvolvimento é convincente.
Não são possíveis melhores políticas públicas sem melhores instituições. É precisamente esse o foco
das reformas de segunda geração,
e daí sua virtude.
Nem mesmo coisas óbvias foram concretizadas na última década. Por exemplo, a regulação
dos setores de infra-estrutura ainda patina na maioria dos países
latino-americanos. Pois, sem um
bom marco regulatório, a privatização não resulta em tarifas públicas razoáveis e melhores serviços nem em mais investimento.
Em quarto lugar, a maior ênfase na agenda social, com o objetivo de atacar de forma séria as
questões da pobreza e da distribuição de renda indecente, por
falta de outro termo.
Mas o Consenso de Washington
ampliado ainda padece de vários
males. Um deles é o de não ter se
libertado da crença de que tudo
pode mudar depois do dia D da
reforma. Essa última é antes um
processo permanente e necessariamente articulado a uma estratégia nacional de desenvolvimento.
Um outro mal é o problema da
marca. Qualquer expressão com
Washington no meio tem todas as
chances de ser execrada. Quem
sabe depois de a ditadura de Fidel
Castro cair não será possível ter
uma nova Carta de Havana.
Gesner Oliveira, 47, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia
(Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br
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