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OPINIÃO ECONÔMICA
Do medo à esperança
ABRAM SZAJMAN
O brasil que o presidente
eleito, Luiz Inácio Lula da
Silva, herda a partir do próximo
dia 1º de janeiro não tem poucos
nem fáceis problemas: depreciação cambial, retomada da inflação, juros elevados, desemprego
recorde (8,5% ou 12,7 milhões de
almas), dívida externa (US$ 220
bilhões) e interna (US$ 820 bilhões), infra-estrutura com ênfase
em evitar o colapso nas áreas de
água (já passamos por racionamentos e estamos à beira de outro
em cidades como São Paulo),
energia (apagão), transportes e a
imensa dívida social, requerendo
ações imediatas nos campos da
saúde, educação, habitação (4 milhões de favelados ou semifavelados em São Paulo) e segurança
(42 assassinatos por dia na capital
paulista, sequestros no Rio e rebeliões pelo país inteiro).
Também há aspectos positivos:
a estabilidade monetária, assegurada pelo controle de oito anos de
Plano Real, e um fenômeno de geração espontânea: a crise cambial,
que é ruim por conta da pressão
inflacionária, nos trouxe de volta
os superávits na balança comercial, o que é bom -será superior
a US$ 10 bilhões neste ano.
Os problemas persistem porque
são estruturais, e não conjunturais. O arcaico sistema tributário,
a bomba-relógio da Previdência,
um caótico sistema administrativo e uma ainda incipiente democracia política, com partidos fracos, dominados por caciques. Vale lembrar que saltamos de 22%
de carga tributária para 35% do
PIB e ainda não resolvemos o problema fiscal, o que indica que a
solução não pode passar apenas
pelo lado da arrecadação.
A vulnerabilidade do país não
seria tão evidente se essas reformas tivessem sido encaminhadas
nos dois últimos mandatos presidenciais. Mas não o foram, e não
adianta chorar sobre o leite derramado. O que importa é que estamos novamente diante de um
momento histórico único: um
presidente eleito pelo voto direto
da maioria dos brasileiros e um
Congresso Nacional renovado pela chancela das urnas.
O presidente eleito deve negociar com o Congresso e com a sociedade as reformas estruturais,
obter um consenso no início de
governo e de legislatura, para retirar o país de décadas -se não séculos- de atraso. Também o
mundo está de olho nesta grande
nação, cuja tradição diplomática é
a independência, a soberania e a
autodeterminação.
O Orçamento é a peça mais importante para que o governo possa indicar à sociedade suas reais
prioridades e a forma de atingir
seus objetivos, mostrando as fontes de recursos.
A enorme conquista obtida com
a Lei de Responsabilidade Fiscal e
com a confecção de orçamentos
públicos críveis deve ser ampliada
nos próximos anos. É preciso cuidar da formação de poupança e
de uma política de crescimento
econômico coerente, geradora de
empregos.
O novo governo tem a oportunidade de mostrar que é viável
cumprir uma agenda social mantendo a estabilidade econômica e
o equilíbrio fiscal. Ainda no plano
econômico, a criação de mecanismos de suporte às atividades das
pequenas empresas, aperfeiçoando as relações de mercado e evitando a continuidade do processo
de concentração. O déficit social
do Brasil não é pequeno. Uma
distribuição de renda que só não é
pior do que a de Serra Leoa, milhões de desempregados e outros
milhões em subempregos. Vamos
além: 19 milhões de analfabetos
funcionais, segundo estimativas.
A mortalidade infantil foi reduzida, mas há ainda regiões com padrões africanos. A segurança é
precária, existem famintos
-apesar dos subsequentes recordes de produção agrícola. A agenda social é de fato monstruosa. O
salário mínimo jamais ultrapassou os US$ 100 nos últimos oito
anos, e hoje não atinge US$ 70.
O momento é crucial na definição da relação entre o Brasil e o
resto do mundo, seja no aspecto
comercial ou no diplomático. Alca, União Européia, Mercosul,
FMI, BID devem ser organismos-alvo de negociações intensas nos
próximos anos. O mundo atravessa uma fase de enormes preocupações ambientais e de manutenção do desenvolvimento sustentável. O Brasil é peça fundamental nesse jogo, envolvendo
Amazônia, recursos renováveis,
poluição, energia e assim por
diante.
O Brasil evoluiu muito desde a
primeira eleição direta, em 1989.
A avalanche de votos que conduziu Lula à Presidência da República constitui, em si, uma determinação de busca da justiça social,
pelo caminho do desenvolvimento.
O medo foi desarmado pela esperança.
Abram Szajman, 63, empresário, é presidente da Federação e do Centro do Comércio do Estado de São Paulo e presidente do Conselho de Administração do
Grupo VR.
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