São Paulo, segunda-feira, 04 de novembro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

OPINIÃO ECONÔMICA

Do medo à esperança

ABRAM SZAJMAN

O brasil que o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, herda a partir do próximo dia 1º de janeiro não tem poucos nem fáceis problemas: depreciação cambial, retomada da inflação, juros elevados, desemprego recorde (8,5% ou 12,7 milhões de almas), dívida externa (US$ 220 bilhões) e interna (US$ 820 bilhões), infra-estrutura com ênfase em evitar o colapso nas áreas de água (já passamos por racionamentos e estamos à beira de outro em cidades como São Paulo), energia (apagão), transportes e a imensa dívida social, requerendo ações imediatas nos campos da saúde, educação, habitação (4 milhões de favelados ou semifavelados em São Paulo) e segurança (42 assassinatos por dia na capital paulista, sequestros no Rio e rebeliões pelo país inteiro).
Também há aspectos positivos: a estabilidade monetária, assegurada pelo controle de oito anos de Plano Real, e um fenômeno de geração espontânea: a crise cambial, que é ruim por conta da pressão inflacionária, nos trouxe de volta os superávits na balança comercial, o que é bom -será superior a US$ 10 bilhões neste ano.
Os problemas persistem porque são estruturais, e não conjunturais. O arcaico sistema tributário, a bomba-relógio da Previdência, um caótico sistema administrativo e uma ainda incipiente democracia política, com partidos fracos, dominados por caciques. Vale lembrar que saltamos de 22% de carga tributária para 35% do PIB e ainda não resolvemos o problema fiscal, o que indica que a solução não pode passar apenas pelo lado da arrecadação.
A vulnerabilidade do país não seria tão evidente se essas reformas tivessem sido encaminhadas nos dois últimos mandatos presidenciais. Mas não o foram, e não adianta chorar sobre o leite derramado. O que importa é que estamos novamente diante de um momento histórico único: um presidente eleito pelo voto direto da maioria dos brasileiros e um Congresso Nacional renovado pela chancela das urnas.
O presidente eleito deve negociar com o Congresso e com a sociedade as reformas estruturais, obter um consenso no início de governo e de legislatura, para retirar o país de décadas -se não séculos- de atraso. Também o mundo está de olho nesta grande nação, cuja tradição diplomática é a independência, a soberania e a autodeterminação.
O Orçamento é a peça mais importante para que o governo possa indicar à sociedade suas reais prioridades e a forma de atingir seus objetivos, mostrando as fontes de recursos.
A enorme conquista obtida com a Lei de Responsabilidade Fiscal e com a confecção de orçamentos públicos críveis deve ser ampliada nos próximos anos. É preciso cuidar da formação de poupança e de uma política de crescimento econômico coerente, geradora de empregos.
O novo governo tem a oportunidade de mostrar que é viável cumprir uma agenda social mantendo a estabilidade econômica e o equilíbrio fiscal. Ainda no plano econômico, a criação de mecanismos de suporte às atividades das pequenas empresas, aperfeiçoando as relações de mercado e evitando a continuidade do processo de concentração. O déficit social do Brasil não é pequeno. Uma distribuição de renda que só não é pior do que a de Serra Leoa, milhões de desempregados e outros milhões em subempregos. Vamos além: 19 milhões de analfabetos funcionais, segundo estimativas. A mortalidade infantil foi reduzida, mas há ainda regiões com padrões africanos. A segurança é precária, existem famintos -apesar dos subsequentes recordes de produção agrícola. A agenda social é de fato monstruosa. O salário mínimo jamais ultrapassou os US$ 100 nos últimos oito anos, e hoje não atinge US$ 70.
O momento é crucial na definição da relação entre o Brasil e o resto do mundo, seja no aspecto comercial ou no diplomático. Alca, União Européia, Mercosul, FMI, BID devem ser organismos-alvo de negociações intensas nos próximos anos. O mundo atravessa uma fase de enormes preocupações ambientais e de manutenção do desenvolvimento sustentável. O Brasil é peça fundamental nesse jogo, envolvendo Amazônia, recursos renováveis, poluição, energia e assim por diante.
O Brasil evoluiu muito desde a primeira eleição direta, em 1989. A avalanche de votos que conduziu Lula à Presidência da República constitui, em si, uma determinação de busca da justiça social, pelo caminho do desenvolvimento.
O medo foi desarmado pela esperança.


Abram Szajman, 63, empresário, é presidente da Federação e do Centro do Comércio do Estado de São Paulo e presidente do Conselho de Administração do Grupo VR.


Texto Anterior: Loja e fabricante perdem margem
Próximo Texto: Dicas/Folhainvest - Ações: Corretora recomenda substituir papéis do banco Itaú por Petrobras
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.