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OPINIÃO ECONÔMICA
Geografia no Primeiro Mundo
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Meus amigos, vocês vão me
desculpar, mas este economista
está saturado de crise, juros,
câmbio e pacote fiscal. Hoje vou
tratar de outro assunto.
Tomo como gancho a "gafe"
do presidente da França, Jacques Chirac, que, ao recepcionar Fernando Henrique Cardoso na Guiana Francesa, na semana passada, declarou-se feliz
de reencontrar "o presidente do
México". Episódio mortificante
para FHC, que parece ter na
França a sua pátria do coração
e que é considerado, pelo menos
no Brasil, sociólogo de renome
internacional.
A "gafe" dá margem a diversas considerações e especulações. É curioso, por exemplo,
que tenha sido não o governo
francês, mas o brasileiro a oferecer "explicações" para o episódio. Segundo o porta-voz de
FHC, o lapso de Chirac decorreu do fato de que os dois presidentes conversavam, momentos
antes, sobre o México....
Brasileiros desconfiados não
acreditaram em "lapso". Consideraram que houve ali uma
alusão maldosa às semelhanças
entre o Plano Real e o programa econômico do México, que
entrou em colapso estrepitoso
no final 1994. (Já antevejo a cena: a partir de agora, toda vez
que FHC aparecer em público,
dezenas de opositores vão comparecer portando imensos sombreiros). O mais provável, entretanto, é que a "gafe" seja reveladora do pouco interesse e
informação que têm os desenvolvidos sobre a periferia do
mundo.
Vejam vocês o absurdo da situação. Segundo setores da imprensa brasileira, esse mesmo
Chirac estava decidido a promover o Brasil a membro do
Grupo dos 7, constituído pelos
sete principais países desenvolvidos. Em maio do ano passado,
por ocasião da visita de FHC à
França, um dos principais jornais do Brasil abriu a seguinte
manchete em letras garrafais:
"França quer admissão do Brasil no G-7". O subtítulo era:
"Projeto de Chirac é concluir o
ingresso do país no grupo dos
mais ricos até o final do século". A reportagem relatava que
"a proposta de admissão era
'um gesto' de Chirac de reconhecimento da política brasileira de integração à nova ordem
econômica mundial".
Fala-se muito em "sociedade
global de informação", suposto
resultado dos extraordinários
progressos nos campos da telecomunicação e da informática
e do triunfo do regime democrático na maior parte do mundo. Mas a impressão que se tem
não é bem essa. Em geral, prevalece o ruído sobre a informação.
Não foi a primeira vez -longe disso- que a imprensa brasileira propagou fantasias sobre
a posição internacional do país
ou que governantes do Primeiro
Mundo fizeram confusões constrangedoras entre o Brasil e outros países latino-americanos.
Quem não recorda do presidente dos EUA, Ronald Reagan, em
visita ao Brasil, agradecendo a
hospitalidade do "povo boliviano"? Um detalhe menos lembrado é que, ao ser alertado por
um assessor, Reagan saiu-se
com a seguinte: "Sorry, Bolívia
is where I'm going next" ("Desculpem, a Bolívia é para onde
estou indo agora"). E vejam vocês: ele estava indo para a Colômbia! (Não me sai da cabeça
a imagem de FHC perseguido
por uma multidão de sombreiros!)
Às vezes, essas trapalhadas
têm consequências mais sérias.
Quando Dilson Funaro assumiu o Ministério da Fazenda,
no final de 1985, havia um impasse com o FMI. Estávamos em
plena crise da dívida externa. O
governo Sarney não queria fechar acordo com o Fundo, que
impunha condições muito rígidas e funcionava, em geral, como uma espécie de departamento de cobrança dos bancos
credores. Por outro lado, Washington e os bancos privados
exigiam acordo com o FMI como condição prévia para o reescalonamento da dívida brasileira.
Naquele momento, o Brasil
ainda não assumira publicamente a decisão de não negociar um acordo com o fundo.
Recém-empossado, Funaro testava a temperatura da água.
Aí aconteceu a confusão. Numa reunião, em Washington,
com o secretário do Tesouro dos
EUA, James Baker III, Funaro
expôs a intenção de negociar a
dívida sem acordo com o fundo.
Para a surpresa dos brasileiros
presentes, Baker disse que, no
caso do Brasil, não havia necessidade desse acordo.
Funaro não perdeu tempo.
Declarou à imprensa que o Brasil não iria ao FMI e que o governo dos EUA estava de acordo com essa decisão.
Foi um Deus nos acuda. O governo americano protestou indignado, alegando que não havia acordo nesse ponto. Valendo-se do fato de que um diplomata brasileiro tomara notas
detalhadas do diálogo, Funaro
enviou a transcrição a Baker.
Então, os americanos resolveram esclarecer o mal-entendido. Baker havia confundido o
Brasil com a Colômbia! Naquela época, a Colômbia era, dentre os principais países latino-americanos, o único que não estava reescalonando a sua dívida externa. No entendimento
de Washington, não precisava
necessariamente recorrer ao
FMI.
Pois bem. Um bater de asas de
uma borboleta nas Filipinas desencadeou um tufão no Caribe.
Com esse incidente começou a
se cristalizar um impasse que
levaria o Brasil à moratória no
início de 1987. Tendo-se comprometido publicamente em
não fechar acordo com o fundo,
o governo brasileiro deparou-se
com grande má vontade dos
credores externos na negociação da dívida. As negociações
avançaram muito pouco.
Veio o Plano Cruzado. A economia cresceu e o superávit da
balança comercial minguou.
Como o Brasil continuava fazendo pesados pagamentos de
juros aos credores internacionais, as reservas internacionais
começaram a diminuir rapidamente. Funaro acabou decidindo suspender a remessa de juros
aos bancos.
Moral da história: é duro ser
periferia. Não adianta imaginar que países como o Brasil
terão atenção especial se forem
bem-comportados e seguirem à
risca as orientações do G-7. Vamos cuidar mais dos nossos interesses e deixar de lado as fantasias de reconhecimento internacional tão ao gosto das elites
tupiniquins.
Paulo Nogueira Bastista Jr., 42, professor da
Fundação Getúlio Vargas e pesquisador-visitante do Instituto de Estudos Avançados da
Universidade de São Paulo, escreve às quintas-feiras nesta coluna.
E-mail: pnbjr@ibm.net
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