São Paulo, quinta, 4 de dezembro de 1997.




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A hora de estadista do presidente FHC

ALOYSIO BIONDI
As vendas da Volkswagen caem 40%, e ela anuncia demissões em massa. Outras montadoras seguirão o mesmo caminho, já trilhado por diferentes setores industriais, como eletroeletrônicos, às voltas com gigantescos estoques.
Ninguém deseja aproveitar-se desse quadro para meramente criticar o governo FHC e sua política econômica. É hora de defender uma proposta, muito mais profunda, para ser examinada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. É hora de debater se a crise da economia brasileira é apenas conjuntural, passageira, ou se, na verdade, chegou o momento de questionar toda a política neoliberal imposta ao Brasil e ao mundo por um desses modismos periodicamente espalhados pelos economistas (e, obviamente, apoiados por poderosos grupos de interesse).
A questão que se coloca aos brasileiros e ao presidente FHC é simples: o que está fazendo água, neste momento: é a economia brasileira e de outros países em desenvolvimento? Ou é a própria política neoliberal que revela suas características suicidas, por basear-se em uma gigantesca concentração da renda e da produção, de um lado, e contração violenta do nível de emprego, de outro, destruindo o mercado que deveria consumir a produção das moderníssimas fábricas espalhadas pelo mundo? (Não se alegue que os EUA vêm apresentando taxas magníficas de crescimento econômico e nível de emprego: só um cego não vê que a economia norte-americana e suas multinacionais estão sendo as únicas a lucrarem com a abertura indiscriminada do mercado de países como o Brasil. Os EUA estão inundando o mundo com suas exportações, roubando emprego e renda dos demais países. Esta, a verdade óbvia).
Mundo sem saída
Há alguns meses, a revista "The Economist" lançou um dos primeiros sinais de alerta contra os caminhos suicidas do chamado "neoliberalismo". Por meio de amplo levantamento, mostrou que as empresas automobilísticas estavam instalando fábricas aos montes, no mundo todo, caminhando para a superprodução, num futuro próximo.
A análise pode ser ampliada -como esta coluna já registrava, na ocasião: não é apenas a indústria automobilística, as suas multinacionais, que se lançaram a uma corrida. Antes do "neoliberalismo", aceitava-se que os governos (o Estado) deveriam traçar diretrizes para a economia levando sempre em conta todos os interesses da sociedade. Ou, mais especificamente: se em determinado país, com excesso de mão-de-obra, precisassem criar empregos em grande escala, era papel do governo criar incentivos (como o perdão de impostos) para as empresas que fizessem investimentos, criassem fábricas ou serviços, com essa propriedade de ampliar fortemente o mercado de trabalho.
Ou, em outro exemplo: se determinado país gastasse milhões de dólares com a importação de um bem qualquer, alumínio por exemplo, caberia ao governo oferecer vantagens aos empresários que se dispusessem a investir na produção desse bem -resolvendo, assim, um problema do país.
Fim do Estado?
Em outras palavras, antes da "onda neoliberal", aceitava-se que ao Estado, ao governo, cabia avaliar as necessidades do país -criação de empregos, criação de renda, criação de tecnologia, substituição de importações- e estabelecer políticas que estimulassem as empresas privadas a investir nessas áreas. Cabia ao Estado, enfim, identificar as prioridades nacionais e fixar vantagens para que elas fossem atendidas.
Com a "onda neoliberal", prevaleceu a tese de que o Estado deveria renunciar a esse papel, orientador dos investimentos e da economia. Segundo seus defensores, cabe ao "mercado" determinar as prioridades, isto é, parte-se da teoria de que, se a economia ficar "livre" da influência do Estado, as empresas realizarão investimentos racionais, para atender às necessidades e desejos do mercado, isto é, do consumidor.
O que o mundo presenciou até agora foi exatamente o contrário. Qual um bando de vacas loucas, as multinacionais de todos os setores desembestaram uma corrida de investimentos em todo o mundo. Rumo certo à superprodução. E, como se não bastasse, com a destruição irracional de milhões de empregos, que leva à redução no mercado consumidor.
Não é hora de limitar a discussão a "pacotes", taxas de juros, FMI. É hora de o presidente FHC começar a livrar o Brasil da loucura neoliberal, com um projeto nacional.


Aloysio Biondi, 60, é jornalista econômico. Foi editor de Economia da Folha. É diretor-geral do grupo Visão. Escreve às quintas-feiras no caderno Dinheiro.



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