São Paulo, domingo, 04 de dezembro de 2005

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Casal mora em esgoto há quatro anos em SP

JOÃO WAINER
REPÓRTER-FOTOGRÁFICO

Nos 35 mil quilômetros de galerias subterrâneas de esgoto de São Paulo, são despejados milhares de metros cúbicos de dejetos por dia. Esse foi o cenário que Tereza Pascali, 44, e Antonio Gonçalves, 46, escolheram para viver quando se conheceram nas ruas de São Paulo e decidiram morar juntos.
Eles moram desde 2001 na rampa de acesso ao córrego Cabuçu de Baixo, altura do número 1.000 da avenida Inajar de Souza, na Freguesia do Ó, zona norte da cidade. Dormem e cozinham a três metros de uma grande quantidade de fezes e lixo acumuladas no entroncamento de três galerias.
Foi perto dali que uma criança de quatro anos caiu em setembro por causa de um bueiro destampado. O corpo foi achado mais de uma semana depois, na cidade de Pirapora do Bom Jesus.
Apesar de morarem no esgoto, Antônio e Tereza afirmam jamais terem contraído doenças típicas do ambiente, como leptospirose e hepatite.
De acordo com o clínico-geral Alfredo Salim Helito, 47, o casal vive em contato com todas as patologias de transmissão oral-fecal possíveis, além de doenças respiratórias e parasitárias. "O sistema imunológico deles provavelmente se adaptou ao ambiente", diz Salim, que é membro da comissão médica do hospital Sírio-Libanês.
A cama e os pertences do casal ficavam dentro da galeria sobre um platô de terra acima do nível da água suja. Após a morte da criança, a prefeitura removeu a terra que servia de chão à moradia e obrigou-os a levar suas coisas para a rampa de entrada.
"Fomos expulsos da praça João Paulo 2º e achamos esse lugar. Tinha um velho e uma velha que já moravam aqui. Três anos atrás a velha morreu e o velho foi embora, aí a casa ficou só pra nós", conta Tereza, enquanto cozinha uma panela de arroz com ovo para o marido. "O lugar até que é bom, só fica ruim quando chove. Enche tudo e é um Deus nos acuda. Perdemos tudo várias vezes."
O casal já recebeu visitas de assistentes sociais, mas se recusa a ir para os albergues da prefeitura. "Nos albergues não podemos levar o carrinho nem os cachorros, que são as coisas mais importantes para nós", afirma Gonçalves, que trabalha cerca de 12 horas por dia puxando carroça.
Ricardo Maritan, 27, coordenador de Assistência Social e Desenvolvimento da Subprefeitura da Casa Verde, afirma que o casal não pode ser retirado. "Já fizemos contatos várias vezes e oferecemos todas as alternativas possíveis, que são albergue e passagem para a terra natal. Eles não construíram um barraco e, portanto, não podem ser retirados à força."
A vendedora de balas Erica de Souza, 17, conhece o casal desde que começou a trabalhar no semáforo da avenida, aos 13 anos. "Acho um absurdo deixarem eles morando no esgoto. A culpa disso aí é da prefeitura, que não se importa com os pobres", diz.
O casal mantém a esperança de sair dali. "Meu sonho é sair para um barraquinho. Mas estamos bem aqui", afirma Antonio.


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