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São Paulo, quarta-feira, 05 de março de 2003

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CONCORRÊNCIA

Decreto em SP transfere o pagamento de ICMS para o comércio e expõe batalha no setor de palha de aço

Bombril e Assolan travam guerra fiscal

FÁTIMA FERNANDES
CLAUDIA ROLLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Um decreto assinado em 2000 na gestão do governador Mário Covas, que transfere da indústria para o comércio o pagamento de ICMS da palha de aço, expôs os efeitos da guerra fiscal entre os Estados e acirrou a concorrência entre os dois maiores fabricantes do produto -a Bombril, do grupo Cragnotti & Partners, e a Prátika (dona da marca Assolan), do grupo Monte Cristalina.
No decreto nš 44.941, de 29 de maio de 2000, assinado por Covas, os fabricantes paulistas de palhas de aço estão liberados do pagamento do imposto -de 18% no Estado de São Paulo-, que passa a ser recolhido pelo comércio. Como a Bombril é praticamente a única fabricante do produto no Estado, ela foi a grande beneficiada por esse decreto.
Outro decreto -o de nš 46.295, de 23 de novembro de 2001, assinado pelo governador Geraldo Alckmin- também beneficia o setor de palha de aço. Pelo artigo 13, os fabricantes paulistas têm crédito de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) equivalente a 6,97%, calculado sobre a venda de palha de aço. No caso da Bombril, pode ser compensado no imposto que a empresa tem a pagar em outros produtos, como o detergente.
Instalada em Goiânia (GO), a Prátika produz com benefícios fiscais, assim como outras indústrias lá localizadas que participam do programa Produzir. Ela paga 30% de ICMS e tem a possibilidade de financiar os outros 70% restantes em até 15 anos.
"Uma coisa é ter incentivo. Outra é ter isenção", diz Nelson Mello, diretor-presidente da Prátika. Procurada pela Folha, a Bombril informa, por meio de sua assessoria de imprensa, que não existe vantagem fiscal exclusiva para a Bombril e que, se a empresa se utiliza de algum benefício, é o mesmo concedido para outras empresas no Estado de São Paulo.
A disputa entre as duas marcas se intensificou quando a Assolan ainda estava nas mãos da Bestfoods/Unilever, entre 2000 e 2002. Em 2000, a Assolan chegou a ter participação de 11% do mercado brasileiro, segundo a Nielsen. A Bombril detinha e -ainda detém- cerca de 80% da venda de lã de aço no Brasil.
Incomodada com a possibilidade de perder mercado, a Bombril reagiu e o governo do Estado de São Paulo decidiu desonerar a produção da indústria paulista de lã de aço. Afinal, estima-se que 50% da venda do produto é feita para empresas paulistas. A lã de aço da Bombril chega a custar até 8% mais barato do que a da Assolan em São Paulo, segundo alguns supermercadistas.
"Se o Estado transferiu para o comércio o pagamento do ICMS, foi para dar competitividade à indústria paulista", diz Clóvis Panzarini, ex-coordenador de administração tributária da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo. "O decreto apenas transfere de um elo da cadeia para outro o momento do pagamento do imposto", diz Tabajara Acácio de Carvalho, atual coordenador de administração tributária da secretaria.
A liberação da Bombril do pagamento de ICMS virou assunto entre os donos de supermercados, encarregados de pagar o imposto. "Nem quem produz alimentos da cesta básica está liberado do pagamento de ICMS [a alíquota é 7%"", diz Sussumu Honda, presidente da Apas (Associação Paulista de Supermercados).
Panzarini explica que o decreto que transfere a responsabilidade do pagamento do imposto da indústria para o comércio -mecanismo chamado de diferimento- não causa perda de arrecadação no Estado. "O Estado pode escolher o elo em que quer cobrar o imposto. Na gasolina, por exemplo, a cobrança é feita no primeiro estágio da cadeia [na refinaria" -mecanismo chamado de substituição tributária."
A Folha ouviu especialistas em direito tributário que concordam com a afirmação de Panzarini, mas isso, dizem eles, se todos os que fizerem parte do último elo da cadeia -no caso da lã de aço, os comerciantes- pagarem o imposto. Mas isso é difícil de controlar, dizem, já que boa parte do comércio de lã de aço é feita no microvarejo, que se beneficia do Simples (sistema simplificado para pagamento de impostos por parte das micro e pequenas indústrias) ou que não paga ICMS.
"Dá para controlar, sim, o pagamento do imposto na ponta porque 90% da venda de lã de aço está nas mãos das grandes redes. A emissão fiscal de cupons das lojas é muito bem controlada por nós diariamente", afirma Carvalho.
O Estado pode não perder arrecadação, como afirmam o ex e o atual coordenador de administração tributária, mas o decreto nš 44.941 levantou uma polêmica. "Não há nada de ilegal nisso, mas liberar a indústria de palha de aço do pagamento de ICMS, sendo que só existe praticamente a Bombril no Estado de São Paulo, é privilégio. Palha de aço não é produto de primeira necessidade, como arroz e feijão", diz o advogado Luís Carlos Moro. "A lógica é: a dona-de-casa pode deixar a panela areada, mesmo sem poder colocar alimento dentro dela?", diz.
Panzarini diz que a transferência do pagamento de ICMS para o último elo da cadeia beneficiou toda a cadeia. "Antes o lojista tinha de pagar o ICMS para a indústria na compra do produto. Agora, ganhou tempo."


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