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CONCORRÊNCIA
Decreto em SP transfere o pagamento de ICMS para o comércio e expõe batalha no setor de palha de aço
Bombril e Assolan travam guerra fiscal
FÁTIMA FERNANDES
CLAUDIA ROLLI
DA REPORTAGEM LOCAL
Um decreto assinado em 2000
na gestão do governador Mário Covas, que transfere da indústria para o comércio o pagamento de
ICMS da palha de aço, expôs os
efeitos da guerra fiscal entre os Estados e acirrou a concorrência entre os dois maiores fabricantes do
produto -a Bombril, do grupo
Cragnotti & Partners, e a Prátika
(dona da marca Assolan), do grupo Monte Cristalina.
No decreto nš 44.941, de 29 de
maio de 2000, assinado por Covas, os fabricantes paulistas de palhas de aço estão liberados do pagamento do imposto -de 18%
no Estado de São Paulo-, que
passa a ser recolhido pelo comércio. Como a Bombril é praticamente a única fabricante do produto no Estado, ela foi a grande
beneficiada por esse decreto.
Outro decreto -o de nš 46.295,
de 23 de novembro de 2001, assinado pelo governador Geraldo
Alckmin- também beneficia o
setor de palha de aço. Pelo artigo
13, os fabricantes paulistas têm
crédito de ICMS (Imposto sobre
Circulação de Mercadorias e Serviços) equivalente a 6,97%, calculado sobre a venda de palha de
aço. No caso da Bombril, pode ser
compensado no imposto que a
empresa tem a pagar em outros
produtos, como o detergente.
Instalada em Goiânia (GO), a
Prátika produz com benefícios
fiscais, assim como outras indústrias lá localizadas que participam
do programa Produzir. Ela paga
30% de ICMS e tem a possibilidade de financiar os outros 70% restantes em até 15 anos.
"Uma coisa é ter incentivo. Outra é ter isenção", diz Nelson Mello, diretor-presidente da Prátika.
Procurada pela Folha, a Bombril
informa, por meio de sua assessoria de imprensa, que não existe
vantagem fiscal exclusiva para a
Bombril e que, se a empresa se
utiliza de algum benefício, é o
mesmo concedido para outras
empresas no Estado de São Paulo.
A disputa entre as duas marcas
se intensificou quando a Assolan
ainda estava nas mãos da Bestfoods/Unilever, entre 2000 e 2002.
Em 2000, a Assolan chegou a ter
participação de 11% do mercado
brasileiro, segundo a Nielsen. A
Bombril detinha e -ainda detém- cerca de 80% da venda de
lã de aço no Brasil.
Incomodada com a possibilidade de perder mercado, a Bombril
reagiu e o governo do Estado de
São Paulo decidiu desonerar a
produção da indústria paulista de
lã de aço. Afinal, estima-se que
50% da venda do produto é feita
para empresas paulistas. A lã de
aço da Bombril chega a custar até
8% mais barato do que a da Assolan em São Paulo, segundo alguns
supermercadistas.
"Se o Estado transferiu para o
comércio o pagamento do ICMS,
foi para dar competitividade à indústria paulista", diz Clóvis Panzarini, ex-coordenador de administração tributária da Secretaria
da Fazenda do Estado de São Paulo. "O decreto apenas transfere de
um elo da cadeia para outro o momento do pagamento do imposto", diz Tabajara Acácio de Carvalho, atual coordenador de administração tributária da secretaria.
A liberação da Bombril do pagamento de ICMS virou assunto entre os donos de supermercados,
encarregados de pagar o imposto.
"Nem quem produz alimentos da
cesta básica está liberado do pagamento de ICMS [a alíquota é
7%"", diz Sussumu Honda, presidente da Apas (Associação Paulista de Supermercados).
Panzarini explica que o decreto
que transfere a responsabilidade
do pagamento do imposto da indústria para o comércio -mecanismo chamado de diferimento- não causa perda de arrecadação no Estado. "O Estado pode
escolher o elo em que quer cobrar
o imposto. Na gasolina, por
exemplo, a cobrança é feita no
primeiro estágio da cadeia [na refinaria" -mecanismo chamado
de substituição tributária."
A Folha ouviu especialistas em
direito tributário que concordam
com a afirmação de Panzarini,
mas isso, dizem eles, se todos os
que fizerem parte do último elo da
cadeia -no caso da lã de aço, os
comerciantes- pagarem o imposto. Mas isso é difícil de controlar, dizem, já que boa parte do comércio de lã de aço é feita no microvarejo, que se beneficia do
Simples (sistema simplificado para pagamento de impostos por
parte das micro e pequenas indústrias) ou que não paga ICMS.
"Dá para controlar, sim, o pagamento do imposto na ponta porque 90% da venda de lã de aço está nas mãos das grandes redes. A
emissão fiscal de cupons das lojas
é muito bem controlada por nós
diariamente", afirma Carvalho.
O Estado pode não perder arrecadação, como afirmam o ex e o
atual coordenador de administração tributária, mas o decreto nš
44.941 levantou uma polêmica.
"Não há nada de ilegal nisso, mas
liberar a indústria de palha de aço
do pagamento de ICMS, sendo
que só existe praticamente a
Bombril no Estado de São Paulo, é
privilégio. Palha de aço não é produto de primeira necessidade, como arroz e feijão", diz o advogado
Luís Carlos Moro. "A lógica é: a
dona-de-casa pode deixar a panela areada, mesmo sem poder colocar alimento dentro dela?", diz.
Panzarini diz que a transferência do pagamento de ICMS para o
último elo da cadeia beneficiou
toda a cadeia. "Antes o lojista tinha de pagar o ICMS para a indústria na compra do produto.
Agora, ganhou tempo."
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