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OPINIÃO ECONÔMICA
Enfim, o debate!
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
Há mais de quatro anos venho advertindo que o sistema de metas de inflação adotado
pelo Banco Central iria criar problemas para todos nós. Fui acusado de defender a volta da inflação
como forma de acelerar nosso desenvolvimento. Os economistas
mais conservadores, dentro e fora
do governo, orquestraram na imprensa uma campanha para desqualificar as críticas que fazia ao
sistema de metas, implantado em
janeiro de 1999. Apesar disso,
mantive, com outros colegas, o
debate e a defesa de mudanças
importantes no sistema adotado.
Agora, finalmente, os problemas
que estão sendo gerados pela manutenção desse sistema atingiram
as páginas dos principais jornais.
Lembro-me de um encontro de
investidores realizado em Fortaleza em março de 2002, atividade
paralela à reunião do BID (Banco
Interamericano de Desenvolvimento) naquela cidade para a
qual fui convidado a falar sobre
as alternativas de política econômica, na eventualidade de um
governo do PT. Entre os pontos
principais que defendi estava a
mudança no sistema de metas de
inflação. Reconheci a necessidade
de termos uma âncora formal para balizar a política monetária do
Banco Central, mas com regras
mais inteligentes.
Ponderei, na ocasião, que a economia brasileira continuava sendo muito sensível às mudanças
ocorridas no exterior e que o custo
de manter o sistema rígido e matemático que existia seria muito
grande. Entre as mudanças nas
regras eu apontei a utilização de
uma média móvel, de prazo mais
longo, para medir o comportamento da inflação e a definição
clara de um núcleo de preços que
excluísse os itens voláteis e imprevisíveis, como os alimentos e os ligados aos mercados de energia.
Finalmente, defendia a fixação
de metas realistas, e não números
de inflação associados às economias mais estáveis do que a nossa.
O governo do PT decidiu manter inalterado o sistema de metas
e convidou para a diretoria do
Banco Central pessoas ligadas ao
pensamento rígido que tinha prevalecido no segundo mandato do
presidente Fernando Henrique
Cardoso. Continuamos com um
sistema pouco inteligente e amarrado a um modelo estatístico
pouco testado, e as metas fixadas
para 2004 e 2005 seguiam a regra
de fazer com que nossa inflação
convergisse, por decreto, para a
inflação dos países mais avançados.
Durante 2003, em razão da explosão inflacionária criada pela
crise de confiança inicial no governo Lula, os defeitos do sistema
de metas não apareceram. Isso é
natural porque, quando há uma
inflação da ordem de 15% ao ano,
o ajuste fino que um sistema de
metas rígido exige não é necessário. Como o grande inimigo enfrentado foi o das expectativas
exacerbadas com um presidente
com o passado de Lula, o sistema
funcionou a contento.
Mas, em 2004, com a política
fiscal no seu lugar, com os investidores e os mercados eufóricos com
a política do governo e um ambiente externo favorável, a inflação no Brasil voltou a ter uma dinâmica microeconômica forte.
Com a meta fixada em 5,5%,
eventos como o aumento do PIS/
Cofins e os choques de preços criados pela elevação significativa
dos preços de produtos primários
nos mercados internacionais passaram a ter influência decisiva
nos índices de inflação.
Como o modelo é burro, isto é,
não permite ao Banco Central
analisar a dinâmica dos aumentos de preço em razão dos canais
de sua transmissão -como o
mercado de trabalho e a questão
da capacidade produtiva-, os
aumentos de preços que estão
ocorrendo são colocados, todos,
em uma mesma cesta. Nessas
condições, confundem-se aumentos localizados e pontuais com a
verdadeira noção de inflação.
Com os choques de preços que
ocorreram neste início de ano, para salvar a face da autoridade
monetária, será preciso punir a
economia como um todo nos próximos meses. Para compensar os
aumentos expressivos ocorridos
em preços importantes, como aço
e produtos petroquímicos, é necessário manter os juros elevados
para reduzir ainda mais a demanda pelos chamados bens de
salário para que, na média, o tal
centro da meta seja atingido. Cálculos mostram que, no período
abril/dezembro, o Banco Central
deverá perseguir uma inflação
anual de 3,5% para compensar o
aumento de preços já ocorrido no
primeiro trimestre. Para tanto, os
juros deverão ser mais altos, e a
perda de produção e renda, maiores do que o necessário para manter o aumento de preços no nível
de 5,5% para o ano civil de 2004.
A pergunta que deve ser respondida pelo governo é muito simples: faz sentido isso? Certamente
não, do ponto de vista econômico
e social. Servirá apenas para que
umas poucas pessoas possam
olhar no espelho e dizer para si
mesmo: fiz tudo para que a meta
fosse atingida!
Luiz Carlos Mendonça de Barros, 61,
engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e
ministro das Comunicações (governo
FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br
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