São Paulo, sexta-feira, 05 de março de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Enfim, o debate!

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Há mais de quatro anos venho advertindo que o sistema de metas de inflação adotado pelo Banco Central iria criar problemas para todos nós. Fui acusado de defender a volta da inflação como forma de acelerar nosso desenvolvimento. Os economistas mais conservadores, dentro e fora do governo, orquestraram na imprensa uma campanha para desqualificar as críticas que fazia ao sistema de metas, implantado em janeiro de 1999. Apesar disso, mantive, com outros colegas, o debate e a defesa de mudanças importantes no sistema adotado. Agora, finalmente, os problemas que estão sendo gerados pela manutenção desse sistema atingiram as páginas dos principais jornais.
Lembro-me de um encontro de investidores realizado em Fortaleza em março de 2002, atividade paralela à reunião do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) naquela cidade para a qual fui convidado a falar sobre as alternativas de política econômica, na eventualidade de um governo do PT. Entre os pontos principais que defendi estava a mudança no sistema de metas de inflação. Reconheci a necessidade de termos uma âncora formal para balizar a política monetária do Banco Central, mas com regras mais inteligentes.
Ponderei, na ocasião, que a economia brasileira continuava sendo muito sensível às mudanças ocorridas no exterior e que o custo de manter o sistema rígido e matemático que existia seria muito grande. Entre as mudanças nas regras eu apontei a utilização de uma média móvel, de prazo mais longo, para medir o comportamento da inflação e a definição clara de um núcleo de preços que excluísse os itens voláteis e imprevisíveis, como os alimentos e os ligados aos mercados de energia. Finalmente, defendia a fixação de metas realistas, e não números de inflação associados às economias mais estáveis do que a nossa.
O governo do PT decidiu manter inalterado o sistema de metas e convidou para a diretoria do Banco Central pessoas ligadas ao pensamento rígido que tinha prevalecido no segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso. Continuamos com um sistema pouco inteligente e amarrado a um modelo estatístico pouco testado, e as metas fixadas para 2004 e 2005 seguiam a regra de fazer com que nossa inflação convergisse, por decreto, para a inflação dos países mais avançados.
Durante 2003, em razão da explosão inflacionária criada pela crise de confiança inicial no governo Lula, os defeitos do sistema de metas não apareceram. Isso é natural porque, quando há uma inflação da ordem de 15% ao ano, o ajuste fino que um sistema de metas rígido exige não é necessário. Como o grande inimigo enfrentado foi o das expectativas exacerbadas com um presidente com o passado de Lula, o sistema funcionou a contento.
Mas, em 2004, com a política fiscal no seu lugar, com os investidores e os mercados eufóricos com a política do governo e um ambiente externo favorável, a inflação no Brasil voltou a ter uma dinâmica microeconômica forte. Com a meta fixada em 5,5%, eventos como o aumento do PIS/ Cofins e os choques de preços criados pela elevação significativa dos preços de produtos primários nos mercados internacionais passaram a ter influência decisiva nos índices de inflação.
Como o modelo é burro, isto é, não permite ao Banco Central analisar a dinâmica dos aumentos de preço em razão dos canais de sua transmissão -como o mercado de trabalho e a questão da capacidade produtiva-, os aumentos de preços que estão ocorrendo são colocados, todos, em uma mesma cesta. Nessas condições, confundem-se aumentos localizados e pontuais com a verdadeira noção de inflação.
Com os choques de preços que ocorreram neste início de ano, para salvar a face da autoridade monetária, será preciso punir a economia como um todo nos próximos meses. Para compensar os aumentos expressivos ocorridos em preços importantes, como aço e produtos petroquímicos, é necessário manter os juros elevados para reduzir ainda mais a demanda pelos chamados bens de salário para que, na média, o tal centro da meta seja atingido. Cálculos mostram que, no período abril/dezembro, o Banco Central deverá perseguir uma inflação anual de 3,5% para compensar o aumento de preços já ocorrido no primeiro trimestre. Para tanto, os juros deverão ser mais altos, e a perda de produção e renda, maiores do que o necessário para manter o aumento de preços no nível de 5,5% para o ano civil de 2004.
A pergunta que deve ser respondida pelo governo é muito simples: faz sentido isso? Certamente não, do ponto de vista econômico e social. Servirá apenas para que umas poucas pessoas possam olhar no espelho e dizer para si mesmo: fiz tudo para que a meta fosse atingida!


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 61, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).

Internet: www.primeiraleitura.com.br

E-mail - lcmb2@terra.com.br


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