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São Paulo, sábado, 05 de abril de 2003

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ARTIGO

As notícias econômicas podem ficar horríveis

PAUL KRUGMAN

Nas duas últimas semanas ninguém tem dado muita atenção ao noticiário econômico. Até as altas e baixas do índice Dow Jones têm refletido os relatos da guerra -e não os relatórios das empresas. Mas as notícias econômicas são muito preocupantes. Na verdade, as últimas leituras sugerem que a recuperação dos EUA pode estar estagnada.
Na verdade, a recuperação não pode oficialmente estagnar, já que oficialmente não começou. A comissão que decide essas questões ainda não declarou o fim da recessão que começou em março de 2001. Há bons motivos para a hesitação dessa comissão: enquanto o PIB começou a crescer no final de 2001, a situação do emprego -que é o que importa para a maioria das pessoas- piorou em ritmo mais ou menos constante. Em particular, há menos pessoas trabalhando hoje do que há um ano. Como a população em idade ativa continua aumentando, os empregos tornaram-se constantemente mais difíceis de encontrar.
Além disso, os últimos dados sugerem que o ritmo em que as coisas pioram está se acelerando. Em fevereiro, o número de empregados em folhas de pagamento diminuiu 308 mil -o pior resultado desde novembro de 2001. Alguns analistas sugerem que o número foi enganoso, distorcido pelo mau tempo, mas ontem tivemos mais dois indicadores preocupantes: os novos pedidos de seguro-desemprego saltaram, e uma análise das companhias do setor de serviços sugere que a economia como um todo está se contraindo.
E agora? Desde que as esperanças de uma rápida recuperação desapareceram, no último verão, a economia parecia equilibrada no fio da navalha. Pessimistas como Stephen Roach, do Morgan Stanley, advertem que os EUA estão perto de sua "velocidade de estagnação": um crescimento tão lento que os consumidores, nervosos com o mercado de trabalho fraco, reduzem os gastos e fazem a economia entrar em parafuso. Mas os otimistas continuam esperando que as empresas, ansiosas para atualizar sua tecnologia, retomem o investimento em grande escala e gerem uma recuperação robusta. Ambas as perspectivas ainda são possíveis, mas parece cada vez mais provável que os consumidores perderão o ânimo antes que as empresas recuperem o delas.
Os otimistas hoje depositam sua fé nos supostos efeitos salutares de uma vitória no Iraque. A teoria é que as empresas estão adiando os investimentos até que a incerteza sobre a guerra se dissipe, e que quando isso acontecer haverá um grande surto de demanda reprimida. Sou cético: acho que as principais barreiras para a recuperação dos investimentos são a capacidade excedente, a dívida corporativa e o temor dos escândalos contábeis (as revelações sobre a HealthSouth sugerem que há muitos outros desmandos corporativos não descobertos.) Também me pergunto se a vitória no Iraque marcará o fim da incerteza ou o início de ainda mais incerteza. Estamos na estrada para Damasco (ou Teerã ou Yongbyon)?
Enquanto isso, existe uma nova preocupação: a recuperação macroeconômica poderá ser vítima da economia dos micróbios. As pessoas sérias sabem que os germes representam uma ameaça muito maior para a humanidade do que o terrorismo, e leitores de livros como "Plagues and Peoples" ("Pragas e Povos"), de William McNeill, e "Guns, Germs and Steel" ("Armas, Germes e Aço"), de Jared Diamond, sabem que os micróbios provocaram o fim de muitas civilizações.
A síndrome respiratória aguda severa (Sars), um novo vírus que veio da Província de Guangdong, na China, não parece um assassino de civilizações, e provavelmente não é tão nocivo quanto o vírus influenza de 1918-19. Mas especialistas temem que seja tarde demais para impedir uma epidemia global de Sars -isto é, pode ser tarde demais para impedir que o vírus se espalhe pelo mundo todo. E o germe já está tendo grandes consequências econômicas: o medo da doença paralisou muitas empresas em Hong Kong e causou a queda das viagens aéreas internacionais.
Mesmo que a Sars não se dissemine nos EUA -e essa não é uma aposta garantida-, poderá causar muitos danos à economia norte-americana, porque o mundo tornou-se muito interdependente. Pensem nisso: o motor mais provável de uma vigorosa recuperação americana seria um surto renovado nos gastos em tecnologia, e Guangdong hoje é a oficina do mundo da informática, o lugar onde se monta grande parte do equipamento que as empresas comprariam se houvesse um boom de investimento -por exemplo, componentes para redes de computador sem fio. O vírus já está prejudicando a produção, não tanto porque os trabalhadores ficaram doentes, mas porque os gerentes e os engenheiros baseados em Taiwan têm medo de visitar suas fábricas. O resultado poderá ser a estagnação da recuperação dos investimentos antes que ela comece.
A guerra monopolizou a atenção de todos, inclusive a minha. Mas outras coisas estão acontecendo, e você não deve se chocar se as notícias econômicas ficarem horríveis.


Paul Krugman, economista, é professor na Universidade Princeton (EUA) e colunista do "The New York Times".

Tradução de Luiz Roberto Gonçalves


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